25/06/2013

As faces da corrupção

Tudo estava tão parado. Os dias se passavam sem atropelos. Cada um no seu lugar. Todo mundo quietinho. Sem lamentações públicas.  Cada um curtindo suas lamentações privadas. Remoendo tudo sem muito alarde. A falta de sobressaltos levava a crer que todos estavam extremamente tranquilos. Essa tranquilidade parecia permanente e insuperável. Não havia riscos, pois o conformismo havia vencido todas as batalhas. As caras de todos, sabemos agora, eram de disfarçado contentamento.  
De uma hora para a outra, tal qual ocorre no estouro da boiada, a ordem é rompida. E o que parecia um lago de tranquilidade revela-se um mar tenso, revolto e perigoso. No lugar do conformismo, a insatisfação. Não uma insatisfação qualquer, mas sim uma insatisfação maiúscula. Uma insatisfação que vinha sendo contida e que, aos poucos, foi se libertando. 
Tal qual um vírus ou uma bactéria que agem silenciosamente impregnando lentamente o tecido, o movimento foi sendo construído. Eis que somente foi notado quando eclodiu ruidosamente nas ruas. E os dias já não são mais os mesmos. Ruas trancadas, lojas fechadas, portas cerradas, horários de ônibus suspensos. Não em represália às reivindicações, que são justas e necessárias, mas sim pelo medo dos excessos.
Os meninos e meninas que marcham cantando e pedindo apoio pela construção de um país melhor, com menos corrupção, com mais educação, com mais segurança e saúde promovem um espetáculo cívico. A história mostrará que o momento atual é de transformação. Os estudiosos dirão que foi o julgamento dos envolvidos no mensalão, condenados e não punidos, que desencadeou todo este anseio por mudanças. Torcer para que mudanças ocorram é um dever de todos nós que queremos um futuro mais venturoso para os brasileiros. 
Nos grandes centros, porém, o movimento cívico, patriótico, tem servido de guarida para um cem número de indivíduos.  Escondidos no meio das passeatas, nutrindo sentimentos dos menos nobres possíveis, se aproveitam do afrouxamento da segurança e promovem um espetáculo dantesco. Queima de ônibus, perseguição a jornalistas, incêndio de lixeiras. Atingem alvos inescrupulosamente. 
Esta incidência lamentável já está se tornando uma regra. Com isso, mesmo aqueles que se dizem simpáticos às reivindicações vão sendo contrariados. A alegria cívica é substituída pela desconfiança, pelo medo. 
Não esqueço o pavor que os dois idosos tinham nos olhos quando o coletivo que se encontravam foi apedrejado e queimado, numa dessas manifestações no Centro do Brasil, na semana passada. Imagino o sentimento de desamparo, de insegurança que sentiram aqueles dois senhores ao enxergar aquela turba raivosa atirando pedras, jogando pesadas barras de ferro nos vidros e ateando fogo nos estofados. Gente assim não constrói um país mais justo, não constrói uma pátria melhor. Quem atenta contra a cidade, não merece respeito. 
O crescimento dos atos de destruição está corrompendo o movimento. Se assim continuar, os manifestantes perderão a autoridade moral que os sustenta. Se a violência e o vandalismo venceram esta luta, os avanços - se tivermos, serão mínimos. Torcemos para que esta corrupção que prejudica até os tecidos que parecem mais sãos, seja eliminada. Para o bem do Brasil.

18/06/2013

As razões dos protestos

O Brasil tem muitos defeitos. Milhares, milhões talvez. Há alguns acertos. Milhares, milhões talvez. Já foi muito ruim para a maioria. Hoje é ruim para muitos, para milhares ou milhões. É inegável, no entanto, que mudanças significativas vêm sendo sentidas nas últimas décadas. Porém, há sim muito que protestar. O Brasil que se vê na tevê nem sempre é o Brasil que vivemos. O discurso oficial no mais das vezes não traduz a realidade sentida pela população. 
Uma das mudanças mais significativas foi a conquista da liberdade. Houve um tempo em que tudo era proibido. Organização sindical, manifestações públicas, protestos, organização partidária, pequenas reuniões, músicas, filmes, peças teatrais que manifestassem o desconforto com as coisas do país, do seu dia a dia, da economia, da política. O regime podava, prendia e matava. Verdadeira guerra havia por aqui. 
Felizmente este panorama está somente nos livros de História. História triste, mas verdadeira. Os problemas, no entanto, não foram resolvidos somente com a liberdade de expressão, com a liberdade de organização sindical, com a liberdade política. A educação ainda se arrasta. Os professores formam um exército de baixos salários. As escolas públicas em geral sucateadas. A saúde, muito embora a propaganda oficial a coloque em estágio de primeiro mundo, não satisfaz aos anseios da população, especialmente a menos assistida. 
Combustível pela hora da morte, telefonia caríssima com resultados que nos envergonham e nos revoltam. Faltam investimentos na segurança pública. Problemas, problemas e mais problemas. Sem falar na roubalheira geral que vem dilapidando as riquezas do país sem qualquer arrefecimento desde 1500.  Não haveria espaço aqui para descrever todos os setores deficitários no país. 
Combustível para protestos é o que não falta neste Brasil. Ânimo é o que vinha faltando até então. Isto porque nos acostumamos com a iniciativa dos partidos políticos. Apostamos neles como agentes de transformação da sociedade.  Esperamos pelos outros. Os outros, no entanto, parece que não estão muito preocupados com estas questões do dia a dia. Estão envolvidos em projetos mais rentáveis. 
Todos os protestos são respeitáveis, mesmo aqueles com os quais não concordamos. É o que sempre defendemos. No entanto, é importante que mantenham o foco. Um protesto contra tudo e todos não será eficaz. Objetividade ajuda. Senão facilmente perderá a identidade. Ainda mais se a turba dos vândalos, dos aproveitadores e dos que são movimentados apenas pelo barulho tomarem a dianteira e continuarem protagonizando cenas lamentáveis de destruição e de afronta a quem decisivamente não são os culpados pelo estágio em as coisas estão. 
É bonito protestar. É até fashion. Especialmente se os protestos forem movidos por propostas, por reivindicações, pela luta por um país melhor, por mais verbas para a educação, para a saúde e segurança, por mais justiça, por mudanças. Tomara que este movimento todo seja impulsionado por razões como estas. Caso contrário pode se transformar em mais combustível para alimentar as paixões e as vaidades compartilhadas nas redes sociais.

16/06/2013

Eu bebo porque gosto, tchê!

Aqui pelas bandas dos pampas, nos anos 70 e 80, quando se falava em refrigerante (ou refri como preferia a turma do Bom-Fim), não estava se falando da Coca-Cola. Os gaúchos foram os últimos a se entregar aos encantos da Coca. Foi o reduto onde a Pepsi resistiu bravamente na preferência popular.
Mas a Pepsi tinha os concorrentes locais. Dois deles se destacavam entre a garotada. Minuano Limão e Guaraná Frisante Polar eram os grandes refrigerantes desta terra. O Minuano, fabricado pela Vontobel, era delicioso. Na sua publicidade um gaudério exclamava no final: Eu bebo porque gosto, tchê!
O Guaraná Polar tinha um jingle especial que não saia da cabeça dos meninos: "Guaraná Frisante Polar, refrescante, refrigerante, Guaraná Frisante Polar...". 

Guaraná Fruki, vendido em caminhões pelo interior do Estado, também tinha um bom espaço por aqui. Aliás, foi o primeiro que eu tomei. Tão logo o caminhão passou na Vila das Pererecas (hoje Loteamento Popular) sai correndo com algumas moedinhas na mão. Cheguei suado e ofegante. O vendedor, no meio de engradados aquecidos por um sol escaldante de verão, abriu a garrafinha e me entregou. Ali mesmo, o líquido quente desceu pela minha garganta!

Veja outras curiosidades acessando a página Anos 70/80.

11/06/2013

A ficção vira realidade

Cena do filme 1984
A ficção mais dia menos dia vira realidade. Em 1984, de George Orwell, Winston Smith é um membro do serviço burocrático do partido externo, funcionário do Ministério da Verdade. Desempenha a nobre e entediante função de reescrever e alterar dados de acordo com o interesse do Partido. O objetivo é controlar tudo o que se dizia, o que se sentia, o que se pensava num estado totalitário. A unificação do objetivo e até do subjetivo. Um sonho dos ditadores de todos os continentes e de todos os tempos. O angustiado e impotente Winston questiona a opressão que o Partido exercia nos cidadãos. Se seguisse o traçado diferente da cartilha, cometia crimideia (crime de ideia em novilíngua) e fatalmente seria capturado pela Polícia do Pensamento e era vaporizado. Desaparecia.
Isto é uma ficção. Será mesmo?
Apesar dos constantes alertas que nos chegam, normalmente através de e-mails dos nossos queridos e paranoicos amigos, sempre sobra um pouco de incredulidade. Nossos e-mails são rastreados, tudo o que compartilhamos, que curtimos, que externamos no Facebook e nas outras redes sociais estão sendo controlados por alguém. Este poderoso alguém é capaz de reunir todas as informações possíveis a respeito de seus ingênuos súditos e um dia, assim na maior surpresa, receberemos um calhamaço de acusações. Esta data se aproxima. O dia ficará conhecido como O Juízo Final. Não haverá advogados suficientes para fazer tantas defesas.
Em pé, com os músculos cansados, com os pés inchados, os incautos seres sofrerão a tortura suprema. Em uma grande tela luminosa surgirão em alta definição os gracejos mais infantis, as piadas mais infames, as manifestações mais preconceituosas feitas em um tempo em que o mundo era até divertido. Tudo aquilo que um dia foi tranquilo e sereno, produzido e apresentado no mundo virtual ganhando uma dimensão monstruosa. Será um vexame só. Até as comunidades do extinto Orkut “odeio matemática”, “quero exterminar os moralistas”, “sou assim e não mudo um centímetro”, que pareciam pertencer a outro mundo, ganham vida e voltam a atormentar.
De certo modo o noticiário internacional, que aponta a revelação de segredos de estado por parte de funcionário americano, demonstra que o temor que muitos têm em relação à privacidade das comunicações virtuais não é balela de gente que teme à toa. Há um fundo de verdade sim no medo de ser espionado pelo Grande Irmão. São fatos, não meras especulações. O Império separa as mensagens enviadas pelas pessoas, as classifica dentro dos critérios que estabelece conforme seus interesses, forma dossiês com base nos dados coletados e poderá promover acusações no futuro. Quem garante que não?
A história de George Orwell se passa em 1984. Por quê não em 2013? Quem duvida?

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04/06/2013

Maionese, ketchup e mostarda

Programa quase que obrigatório aos sábados pela manhã é a ida até a feira do produtor. E o costume não é de hoje. Na pequena cidade de Campina das Missões, há 634 km do Litoral Norte gaúcho, há quase 20 anos, minha visita à feira tinha um objetivo específico: comprar cucas russas produzidas no interior do município por pequenos agricultores.
As cucas de lá são as melhores que conheço. E mais, de tão saborosas, dispensam qualquer tipo de cobertura. Basta um cafezinho com leite. Nada de margarina, de schimier, de manteiga.Quando muito uma nata, não dessas industrializadas, mas sim aquela saborosa substância que sobressai do leite fervido. Tão somente aquela nata valoriza a cuca e não corrompe o seu especial sabor.
Dizem que a produção é um trabalho penoso. Os ingredientes devem ser misturados num processo lento, chegando a levar até uma semana para que a cuca mostre sua verdadeira cara. Por isso a produção era artesanal, resultando em poucas unidades. Raras eram as senhoras que se dedicavam ao seu preparo. Até chegar ao forno, doses extras de paciência parece ser o ingrediente necessário nesta tarefa de aguardar o desenvolvimento do trabalho feito pela natureza no processo de fermentação da massa.
Numa visita à redação do Correio do Povo e da Zero Hora, acompanhado pelo querido amigo Abílio Kapelinski, prefeito daquela distante e distinta cidade, trouxe alguns exemplares da produção artesanal campinense. O porta malas do carro oficial veio cheio de cucas russas que foram distribuídas nas redações dos jornais entre os editores e repórteres da Central do Interior. As cucas abriram portas. Pequenas notas sobre a cidade começaram a aparecer na grande mídia. Sinal de que o trabalho bem feito lá na colônia tem um valor muito maior do que o preço cobrado pela sua venda.
Estas imagens antigas me veem à mente quando penso no costume cada vez mais presente de besuntar pizzas, pastéis, hamburgueers e até batatas fritas com as indefectíveis maioneses, ketchup e mostarda. Molho e mais molho para ressaltar o sabor.
Sejamos honestos, as pizzas industrializadas, essas que se encontram nos supermercados, não são dotadas de sabor. O sabor é o próprio molho. E este truque, adição dos molhos, é um golpe certeiro e um requisito indispensável para que a indústria consiga vender as imitações de pizzas e as imitações de hamburgueres com gosto de papelão.
Porém, como o sábio previdente bem alertou, tudo aquilo que está ruim pode ficar um pouco pior ainda. E de fato, a corrupção do sabor saiu das gôndolas dos mercados e, de modo silencioso e imperceptível, vai conquistando terreno. Seu crescimento é tão grande que vem atingindo até os locais insuspeitos. Nota-se nas boas pizzarias, aquelas que primam pelo verdadeiro sabor, que os comensais, seduzidos pelo apelo das indústrias, repetem o ritual e, inadvertidamente, lambusam seus pratos com generosas doses de molhos derrubando, assim, o esforço do pizzaiolo.
Tendo em vista o eventual sucesso deste sórdido plano patrocinado pela indústria alimentícia que gera verdadeira corrupção do nosso paladar, lanço aqui um manifesto pela manutenção dos sabores saudáveis. Os gritos de ordem de agora em diante serão: “pelo sabor genuíno das cucas de Campina das Missões; pelo gosto insuperável das pizzas da À Lenha; fora maionese, ketchup e mostarda; viva a salada do chef; viva a nata e o leite colonial”.