30/07/2013

Um mistério chamado saudade

A palavra saudade é um mistério. Ela existe somente na Língua Portuguesa. Esconde, em seu bojo, uma carga de sentimentos enorme. É muito mais que uma simples lembrança, que um simples desejo de estar com alguém ou naquele lugar ou naquele tempo. É muito mais do que isso. É tudo isso junto, acrescido de certa melancolia, de certa tristeza. 
A própria origem do termo é carregada de controvérsias. Não se tem certeza de quais caminhos o vocábulo foi tomando ao longo dos tempos até chegar aos nossos dias. Alguns dizem que foi o sofrimento dos navegadores lusitanos que, nas suas incursões pelos mares por meses a fio, levavam em seus corações o peso da ausência de suas amadas, de seus filhos, de seu pedacinho de chão. 
A solidão do mar, a vontade e a impossibilidade de retornar com a rapidez desejada teria desenvolvido nos navegantes e nos seus próximos a tristeza do afastamento. O termo latino solitate (solidão, isolamento) teria se corrompido na boca e nos corações destes sofridos marinheiros, que lutavam bravamente para vencer mares rebeldes, sem a garantia de que voltariam para o calor do seu lar. 
Aboletados em suas embarcações, com seus corpos cansados, sujos, mal alimentados, enfrentando rajadas violentas de ventos, tempestades inesperadas, doenças desconhecidas e mortes anunciadas, estes homens rudes encontravam em algum momento do dia ou da noite um tempinho para o recolhimento. Com o coração palpitando, mergulhavam para dentro de si na busca das suas melhores lembranças. Vibravam quando seus olhos enxergavam a embarcação atracando no porto e seus corpos sendo, enfim, acolhidos pelo calor do abraço dos seus. 
Que sentimento extraordinário devia acompanhar estes homens de fibra. A certeza da partida, a crueza das intempéries, a incerteza do retorno. O longo tempo da separação, a falta de notícia, a ausência dos rostos dos amados. A água insistente salgada, o sol queimando a pele, o barulho extenuante das ondas, a teimosia da maré a jogá-los de lá para cá e de cá para lá. 
Quem ficava em terra firme sofria de igual forma.  A saudade era um ponto comum entre os que partiram e os que os viram partir. Era o que restava. Era a dor contida, rompida somente com a alegria do retorno.

Outras coisas sobre a saudade:

21/07/2013

O reencontro, 25 anos depois

Reencontro de formandos de 1987
Foi começando vagarosamente. A Luciane postou uma foto da formatura. A Estela e a Cláudia curtiram. Alguém mais compartilhou.A professora Dione também deu um pitaco. A Cláudia achou que uma festa seria legal. Nasceu a ideia de juntar os formandos num encontro comemorativo. Seria uma chance ímpar. Um churrasco comunitário, onde cada um levaria alguma coisa, chegou a ser pensado. Cada participante levaria sua bebida. A ideia não prosperou por este lado.Teria que ser algo mais simples, ainda. A Estela criou um grupo no Facebook. Juntando ideias daqui e ideias dali, nasceu o encontro comemorativo aos 25 anos de formatura da turma de Letras da FACOS/1987.
Chegamos cedo. Eu e a Marta, minha esposa e colega de formatura. Depois a Jacqueline e sua mãe, a Anita. Aos poucos a turma foi chegando. A Luciane veio de São Paulo. Outros vieram de Porto Alegre, de Capão da Canoa, de Tramandaí, de Santo Antônio. Todos foram recebidos com entusiasmo. Alguns levaram álbuns de fotos que passavam de mão em mão, atestando a história dos filhos crescidos e dos netos queridos. Beijos, abraços, sorrisos. A Madalena não resistiu. Entrou no salão chorando. Chorava pelas duas décadas e tanto de distanciamento. "Vocês continuam iguaizinhos", exagerou alguém lá no canto. "Estas meninas mentem", brinquei com o Paulinho e o Tuta, casados com a Liliane e com a Madalena, desde aquele tempo.
Quando vimos, o salão reservado pelo Claudinho do Restaurante do Dodô, estava repleto. Quem não cola não sai da escola, lembrou alguém,inconfidentemente listando os maiores coladores da turma. Do meu lado, Liliane, Madalena e a Marta tagaleravam sobre as atividades de aula. Destacavam as incursões pelo mundo da pesquisa linguística, pelas escapadelas para um interminável lanche no Papi que rendeu uma represália de uma professora irada. "Tenho uma resposta pra estes engraçadinhos que ficam no bar até tarde e atrapalham a estrutura de minha aula. Exame pra eles!", deve ter pensado. E assim fez.  
O frio lá fora era grande. Entre os antigos colegas, o clima era quente. "Onde anda o Cléber?", "e a Magda?". "Lembra aquela vez que escurecemos a aula, acendemos velas e recitamos poemas num trabalho de Literatura?", perguntava com certa ansiedade a Liliane. "Credo fizemos isso?", disse espantado com tanta criatividade. A Madalena confirmava. Mais uma vez minha memória havia me deixou na mão. Porém, minha imaginação não. "Deve ter sido lindo, isso, hein?", suspirei tentando resgatar do fundo da minha mente uma lembrança desta performance poética que protagonizamos. "E aquela vez que tínhamos que discorrer sobre O Gaúcho, do José de Alencar, e a impressão que passava era de que somente a Madá tinha lido a obra na íntegra?". Outra vez fiz esforço danado e nada. Lembravam, agora, que a aflição tomou conta da Madalena e ela mal conseguia falar. Eis que um outro tagarela assumia a palavra vez por outra e, folheando o livro, ia destacando uma ou outra passagem. Gol de placa, parabéns e coisa e tal. 
Alguém lembrou que aquele era o Dia do Amigo. Outro destacou que era o primeiro de uma série de encontros. E o tempo foi passando. Depois do almoço, a sobremesa. O cafezinho passado na hora, ali mesmo sobre o fogão que recebia lenha seca a toda a hora. O brinde à vida, os discursos leves como devem ser. Promessas de que algo tão bom tem que se repetir. Fotos na frente do estabelecimento para guardar na memória virtual. Beijos e abraços e um até breve.
Qualquer dia a gente vai se encontrar novamente. E nosso pensamento voará para tempos antigos. Aí lembraremos de histórias que se passaram diante de nossos olhos. Recordaremos tempos outros, distintos dos de hoje.  
Obs: Madalena, eu li sim O Gaúcho! 

Outras fotos da turma

Foto dos formando 1987
Liliane, Madalena, Marta e Solano Reis



16/07/2013

A cor da pele

Imaginava-se que, na entrada do terceiro milênio, algumas das maiores chagas da humanidade estivessem eliminadas. Este era pelo menos parte do sonho de uma geração que sofreu vendo seus jovens morrendo nas guerras. Paz e amor; Faça Amor não Faça Guerra foram as expressões usadas para pressionar os governantes belicistas na tentativa de calar as metralhadoras e as bombas que choviam sobre a cabeça de milhares de inocentes. 
O movimento pacifista, que começou nos EUA, gerou filhos. A rebeldia dos jovens cabeludos, vestidos sem rigor, espalhou pela América do Norte e pelo mundo mensagens de paz, amor, de respeito à diversidade sexual e racial, de liberdade, de preservação ambiental, de repúdio à guerra e à ganância econômica das potências. Hair, o musical da Broadway, dos anos 60, que depois virou filme em 1979, apresentou em grande estilo  as esperanças e os sonhos de um mundo melhor na Era de Aquarius. 
Os costumes mudaram. O mundo avançou em muitos aspectos. De algum modo as bandeiras levantadas pelos jovens do passado foram sendo recepcionadas pelas gerações seguintes. Porém, uma das mais repugnantes marcas da humanidade ainda continua forte, resistindo à ação do tempo: o racismo.  
A separação do homem pela cor da sua pele é uma realidade lamentável, inclusive nos dias de hoje. Isto que, longo tempo foi percorrido desde que os europeus sentiam-se autorizados a escravizar os outros povos com o argumento de que os não-brancos não tinham alma. Eram animais, não humanos, logo poderiam servir aos caprichos dos seus donos. 
O avanço tecnológico e científico, o aprimoramento dos costumes, a ampla socialização da informação, nada disso conseguiu até agora demover parte dos humanos do vício primitivo de atentar contra o outro. As manifestações mais grosseiras não vêm necessariamente dos recantos mais atrasados economicamente. São gargantas de primeiro mundo que urram, sem vergonha, sem nenhum constrangimento odiosas palavras contra seus semelhantes, destacando a cor da pele como algo negativo, degradante.
Notícia publicada dia desses, dava conta que o senador italiano Roberto Calderoli, em reunião de seu partido, disse que a ministra de origem congolesa Cecile Kyenge deveria ministra em seu país, concluindo que “quando vejo imagens de Kyenge, não posso deixar de pensar em suas semelhanças com um orangotango, mesmo que eu não diga que ela seja um deles". 
A manifestação, claro, foi bombardeada nas redes sociais e o próprio governo italiano lamentou o deslize do político.  Lamentavelmente, as palavras injuriosas ditas por Calderoli fazem eco entre os italianos. A situação é tão preocupante que o presidente da FIFA Joseph Blatter, constrangido com os urros vindos das modernas cadeiras das arenas italianas contra os atletas negros, ameaçou recentemente tomar medidas drásticas contra os clubes.
Não vamos muito longe. Aqui, neste recanto do planeta, bastou a Seleção Brasileira botar os bobinhos espanhóis na roda e o que se ouviu foram urros na Europa. Macacos, orangotangos, foi o mínimo que nos chamaram. Futebol é assim mesmo, pode pensar alguém. Nada disso. Respeito é bom e todos merecem. Já é tempo de que essas vozes ultrajantes sejam abafadas. É o mínimo que se pode dizer afinal, a lua já está na sétima casa e Júpiter está alinhado a Marte. Aguardemos então para viver um tempo em que a paz guiará os planetas e o amor governará as estrelas. 

Saiba mais sobre o tema:

Hair - No palco e na tela
Aquarius - Letra e vídeo
Racismo no futebol italiano
Racismo na Itália






09/07/2013

Jogos intermináveis

O futebol era nosso vício. Os jogos eram intermináveis. Não adiantava nossa mãe lembrar que devíamos esperar o almoço descer sob pena de sofrermos uma congestão. Qual nada! Os pratos ainda estavam na pia e nós já dividíamos os times. Bastava uma bola velha e a gurizada gastava tardes inteiras com intervalos resumidos para um gole de água ou um furtivo café preto com bolinho frito.
Camisetas velhas, puídas, furadas. Calçõezinhos no mesmo estado. Os pés descalços. Porém, disposição interminável para enfrentar uma maratona que só encerrava quando o pretume da noite tomava conta, escondendo as goleiras improvisadas e engolindo a bola de nossas vistas.
O campo era bom. A grama era farta. E fofa. O campinho era um terreno ao lado da casa de uma senhora idosa que curiosamente era chamada de Dona Guria. O local era baixo e nos dias de chuva nossa grama sumia sob um véu de água. Levava dias para que pudéssemos retomar às atividades normais. Ao lado do campo, uma floresta de maricás e mamoneiros. Vez por outra, nossos pés sofriam com a ação dos aterrorizantes espinhos de maricá, especialmente quando a bola precisava ser buscada no meio do arvoredo.
Os times contavam com três jogadores na linha e um goleiro. Normalmente os goleiros eram os mais velhos da turma. Nos sábados à tarde era comum a realização de torneios. Juntavam-se meia dúzia de meninos e a competição seguia enquanto as vistas enxergassem a bola. Não havia finalíssima. Em regra não havia medalha e nem troféu para os campeões. O suor e o cansaço, um que outro gol feito, um que outro salvo, uma peripécia qualquer era o troféu que levávamos para casa.
Todos éramos campeões. Mesmo aqueles que perdiam.
Um dos times de melhor campanha era o que formamos: eu, meu irmão Sérgio e o Pirão. No gol, o Mário ou, em seu impedimento, alguém arrebanhado de última hora. Nosso adversário mais corriqueiro era o time formado pelo Orildo, seu irmão Carlinhos, o Betinho ou o Luís Peito de Aço. O Marino, se minha memória não me trai, de vez em quando jogava também. Jogos feios, de muita dedicação, de muita vontade, muita força e alguns raros lampejos de qualidade.
Todos eram finais de Copa do Mundo. Não havia amistoso, jogo-treino ou frescuras que tais. Quando a bola rolava, sem juiz, sem coordenação externa qualquer, o sangue fervia de tal forma que cada falta era discutida até as últimas consequências. Evidentemente que, em alguns momentos, o tempo enfeiava. “Foi falta”, gritava energicamente um time. “Não foi”, respondia com a mesma decisão e fervor a outra equipe. Quando a coisa chegava no extremo, parava-se o jogo e iniciavam as rodadas de negociações. Até que alguém cedesse e se chegasse a um acordo.
Se não houvesse acordo? Bem, aí o que restava era o time que se achava prejudicado deixar o campo, abandonando a disputa. Era importante deixar bem claro que o time saia do jogo não por medo do adversário, mas sim porque não concordava com tamanha injustiça.
Às vezes, um adulto que se encontrava na redondeza fazia o papel de conciliador. Acalmava os ânimos e mandava a gurizada retomar a partida. O Seu Adegildo, pai do Betinho, em muitos momentos apaziguou os ânimos. Ele tinha um poder enorme sobre os meninos. Seu filho era o dono da bola. Se a encrenca fosse muito grande, Seu Adegildo mandava o Betinho pra casa. Acabava o jogo. Terminava a confusão.
“Prometem que vão jogar direitinho?”, perguntava depois de dar um discurso sobre o valor da amizade. Com medo de ter o jogo abortado, confirmávamos sacudindo a cabeça sem nem ao menos encarar o sábio veterano.
A partida recomeçava e seguia por um bom tempo. Até que uma nova falta duvidosa ou um gol irregular voltasse a tirar todos do sério novamente.  

02/07/2013

A Copa das Conspirações

Elvis não morreu
O homem jamais foi à lua. Os saltos felizes de Neil Armstrong, no dia 20 de julho de 1969, não foram dados no satélite, mas sim em um estúdio de televisão diante de um cenário que imita a paisagem lunar. Há relatos, fotos, filmes que desmascaram a farsa do governo americano. Porém, apesar das provas incontestáveis, não convém à grande mídia revelar a verdade.
Elvis Presley, o Rei do Rock, o primeiro astro mundial da música capaz de arrebanhar multidões, descansa em paz depois de anos de labuta. Cansado da vida turbulenta de ídolo, retirou-se o cenário forjando uma morte inesperada e um enterro em 1977. Dizem que até hoje, em seu esconderijo, calçando pantufas e metido em largos abrigos que abraçam seu proeminente abdômen, sossegado em seu canto, gasta seu tempo brincando com seu cão de estimação.
Amigo de Lisa Presley desde a infância, Michael Jackson não foi muito original. Falido, dono de uma imagem arranhada por inúmeros escândalos sexuais envolvendo a pedofilia, o Rei do Pop não encontrou outra saída. Imitou Elvis, forjando sua morte bem no momento em que ensaiava para um espetáculo milionário que percorreria o mundo. Resultado: as vendas de seus discos produzidos até ali foram às nuvens. Ele voltou a ser sinônimo de sucesso e seu passado esquecido. Talvez como Elvis, MJ esteja sorrindo neste exato momento.
Paul McCartney, com 71 anos de idade, ainda na ativa, é mais um exemplo de que as aparências enganam. Na verdade, quem sobre ao palco lépido e faceiro é um talentoso sósia que o substituiu logo após a sua morte nos anos 60. Como os Beatles se encontravam no auge, esta foi a opção encontrada pelos seus produtores para não deixar o negócio esfriar. Há fortes evidências de que isso realmente aconteceu. A música I´m só tired, tocada ao contrário, faz menção sobre a morte prematura de Paul. A estratégia, pelo que se viu, deu tão certo que o sósia engana direitinho até hoje.
As conspirações não param por aí. No esporte, então, acontecem aos montes. Quem não sabe, por exemplo, que a Copa do Mundo perdida pelo Brasil para a França foi comprada. Ronaldo Fenômeno, que era contra isso, recebeu doses cavalares de calmantes e entrou no campo grogue. Jura que até hoje não sabe o que ocorreu. Roberto Carlos, sabedor da artimanha, calmamente ajeitava a meia enquanto os franceses faziam pequeno esforço para derrotar a Seleção Canarinho. O que o Brasil ganhou com isso? A Copa de 2014. É lógico!
Agora mesmo, neste ano de 2013, voltou a acontecer a mais deslavada manipulação da realidade. Enquanto os brasileiros trincavam os dentes e gritavam o Hino Nacional, os furiosos espanhóis ajeitavam as madeixas. O resultado não poderia ser outro. O Brasil sapecou os pupilos do Del Bosque calando uma Espanha inteira. Feridos em seu orgulho nacional, os espanhóis foram à forra: “são uns macacos”, tuitaram.
O que não sabem os pobres coitados e nem desconfiaram os brasileiros é que antes da partida, Iniesta, Casillas, Piqué, Ramos, Nava e Torres foram substituídos por sósias. Até a Shakira, que aparecia vez por outra na transmissão, não estava presente. Estas técnicas de holograma realmente são convincentes.
Tudo porque era necessário que o Brasil ganhasse. E assim foi feito. Agradou-se o povo que enchia o novo Maracanã e, de lambuja, arrefeceu o ímpeto dos manifestantes que queriam um país melhor.
Não vê quem não quer!

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