28/06/2014

Cheiro de maçã verde (crônica editada)

“Quando eu era criança o cheiro de maçã verde era tão forte que tomava conta de toda a casa”, disse a jovem trabalhadora, lembrando, em seguida, que as maçãs de hoje não têm o mesmo cheiro das de então. Certamente não têm, disse, me intrometendo na conversa que mantinham os colegas de trabalho. Disse mais, abusando da atenção que me davam naqueles breves instantes, enquanto escolhia batatas, pimentões e cenouras: as coisas no passado não tinham só mais cheiro, tinham sabor e textura diferentes. E não foram só as coisas que mudaram. Mudamos nós.

24/06/2014

Era vidro e se quebrou

Era um garoto que não conhecia os Beatles e nem imaginava que o mundo ouvisse, nem visse as caras e bocas de Mick Jaeger e dos Rolling Stones. Acordava no domingo com o rádio sintonizado na Farroupilha. Seu pai adorava Teixeirinha Amanhece Cantando. O popular cantor gaúcho e sua até então inseparável companheira Meri Teresinha anunciavam seus shows pelo Estado, liam as cartinhas enviadas pelos fãs das mais distantes bibocas do interior gaudério e reproduziam suas inspiradas canções.

20/06/2014

A culpa é da mãe

Vivi na vila durante muito tempo. Era pequeno. Fazia parte das famílias dos sem. Sem dinheiro, sem emprego decente, sem futuro. Lá era comum as vizinhas desafetas abrirem a boca e escancarar ao mundo as suas diferenças. O mulherio não economizava nos elogios. Vez por outra e o pau pegava. Entre puxões de cabelos, unhadas, gritos e pontapés as bocas liberavam os impropérios mais cabeludos que se conhece. Os casos de traições, de supostos assédios e de possíveis facilitações eram resolvidos sumariamente. Não chegavam até o Judiciário. As lides eram compostas da forma mais primitiva que se conhece, sem direito a recursos e protelações.
O palavrão existe. Não dá pra dizer que o palavrão não faz parte do dia a dia. Uma cortada no trânsito será seguido, invariavelmente, de um fdp. É um instinto natural. Uma coisa comum. Banal até. No futebol, a ofensa faz parte do espetáculo. Em muitos casos é deprimente. Mas é fato consumado. É consenso que chamar juiz de ladrão é lícito num campo de futebol. Isto é aceito até entre os homens mais sensatos e educados. Ninguém vai exigir provas concretas e nem dará direito de ampla defesa ao árbitro. Ocorre que, neste caso, ao chamá-lo de ladrão não está se dizendo que ele construiu um patrimônio a partir dos seus erros de arbitragem. Nem mesmo se insinua que ele, ao final da partida receberá um chumaço de dólares ou euros. Não. É um xingamento, um ato de descarrego. Certo? Errado? Cada um faz o seu julgamento e tire as conclusões cabíveis ao seu desenvolvimento intelectual e moral.

13/06/2014

Lupicínio Rodrigues, 100 anos

Este ano marca um século do nascimento de Lupicínio Rodrigues. Compositor gaúcho, natural de Porto Alegre, veio ao mundo no dia 16 de setembro de 1914. Foi autor de obras antológicas como Nervos de Aço, Vingança, Se acaso você chegasse, Ela disse-me assim e tantas outras canções gravadas por um sem número de intérpretes brasileiros.  Como cantava preferencialmente a dor de um amor perdido, foi apelidado de cantor da dor de cotovelo. 
Aqui no RS uma parcela significativa dos desportistas tem na ponta da língua seus versos. Gremista, Lupi compôs o Hino do Grêmio, em 1953. Segundo dizem os versos "até a pé nós iremos" se referem a uma greve nos transportes coletivos, dificultando o acesso dos torcedores ao estádio gremista.  
O compositor morreu com 59 anos, em 27 de agosto de 1974.





12/06/2014

A inexistência

A ideia é instigante, mesmo que possa servir para zombarias. Uma análise mais apurada, no entanto, permitirá que se admita como possível algo impensável num primeiro momento. Falo de uma das tantas teorias que existem por aí e que procuram explicar o funcionamento do mundo e o andamento das coisas por aqui. Talvez tenha lido em algum lugar quando procurava algo sobre a existência. Na minha cabeça ficou sendo a teoria da inexistência. Confesso que, apesar de consultar os meios existentes, não mais a encontrei. Apesar disso, a considero uma ideia interessante. Vale a pena perder alguns minutos para pensar sobre ela.

05/06/2014

Os degredados

Seu Amadeu é um homem vivido. Já morou na Alemanha durante décadas. Já viveu no Brasil durante alguns anos. Fala quatro idiomas. Vive na Europa. Admira o Brasil. Diz que é o país mais belo do mundo. Seu Amadeu não entende o Brasil. Não sabe como os brasileiros falam tão mal do seu próprio país. Como desdenham do seu país. Não entende como os brasileiros desprezam com tanta facilidade o chão em que vivem. Ele não é um privilegiado: o brasileiro não entende o Brasil.
Este é um fenômeno que parece ter nascido com o próprio país. O Brasil já existia quando foi invadido pelos colonizadores. Aqui já havia gente que aproveitava a sua maneira as potencialidades. Desfrutava das matas, dos rios cristalinos, do mar gelado do Sul, das águas quentes do Norte e do Nordeste. Gente que se perdia na mata infindável correndo dos sacis e do curupira.