27/08/2014

Cena Urbana

O inverno deu uma trégua. É sexta-feira. O sol tomou conta de tudo. Apesar disso, alguns passam por mim bem agasalhados. Saíram pela manhã, quando era frio. Agora, já perto do meio dia, sentem certo incômodo. Imprevidentes, talvez não tenham colocado uma camiseta decente por baixo. Terão que permanecer com o blusão, embora o sol esteja forte.
A praça central está bem vazia. Raros aqueles que a cortam. Passo apressado, a hora do almoço está chegando. Carrego uma sacola de medicamentos na mão. Nada demais. São para a pele da filha adolescente. Cremes e loções, coisas deste tipo.

19/08/2014

Raios e trovões

Se a noite está bela, se lua e estrelas iluminam o céu por aquelas bandas uma certeza se tem: ninguém corre perigo. A tranquilidade não será alterada. Os cães podem dormir tranquilos como dormem seus donos. As ferramentas podem descansar nos galpões, depois de um dia de muito trabalho. Os carrinhos de mão podem ficar abandonados no quintal. Enxadas, pás e picaretas nem precisam ser guardadas.Tudo ficará relaxando no seu devido lugar. As galinhas no poleiro, os porcos no chiqueiro, as cabras no potreiro. Se a noite está bela, tudo ficará onde deve. Não há certeza maior: amanhã tudo estará no mesmo lugar.

12/08/2014

O tênis branco

Estudava no segundo grau, à noite. Na década de 70, era assim que se chamava o ensino médio. Era o mais novo da turma. Tinha uns 14 anos de idade. Minha turma era de pessoas mais velhas. Gente que havia deixado de estudar e, agora, encarava novamente os bancos escolares. Queridos colegas. Compenetrados, sérios. Eu era um moleque. Sério, compenetrado mas, ainda assim, um moleque. Havia colegas com incríveis 40 ou 50 anos. Gente calejada, experiente, com bons empregos e família constituída.
Para variar minha situação não era das melhores. Trabalhava durante o dia num subemprego. Ganhava uma fortuna ao redor de meio salário mínimo. Não precisa dizer que vivia invariavelmente pelado. A impressão que tinha era que os bolsos da minha única calça jeans serviam tão somente para esquentar as mãos. A dinheirama que ganhava servia para a compra de uma blusa cacharel azul, uma camiseta ou um par de tênis ou sapatos dos mais simples, em três ou quatro vezes no crediário das Casas Luiz. Um produto a cada mês, é óbvio. Num mês, camiseta; noutro calça; no seguinte, um tênis e assim por diante. Ao final do ciclo, os primeiros itens já estavam surrados, entrando novamente na lista da reposição.

06/08/2014

A pontaria

Naqueles tempos em que a nossa infantilidade imperava, investíamos algumas energias em atividades lúdicas. E, verdadeiramente, não tínhamos preocupações ecológicas. Ninguém tinha, naquela época. Minto, o José Lutzenberger tinha. Mas, ele era considerado louco. Um maluco que pregava o apocalipse. Era um visionário que enxergava perigos na derrubada de árvores, no lançamento de dejetos nos rios, nos lagos e no mar. Era um homem estranho que aparecia na capa dos jornais defendendo coisas que não falavam, que não se expressavam. Dava valor aquilo que ninguém notava. Convenhamos, isso era uma coisa muito estranha naqueles tempos em que o que mais havia era árvores e água limpa. No nosso meio, ao menos, ninguém entendia muito bem o que ele queria, afinal.
A gurizada, por sua vez, longe das polêmicas, gostava mesmo era de caçar passarinhos. E o instrumento usado era a funda ou o bodoque, como também é conhecido. Durante a tarde juntávamos a munição, pedrinhas redondas, e saíamos para o mato. A vontade era trazer farta caça. Não se fazia barulho. Pé ante pé nos deslocávamos procurando por uma presa. As pombas rolas eram as preferidas.