27/09/2016

O Sol

Era pequeno ainda. Talvez não tivesse completado  a primeira dezena de anos de vida. Nas horas vagas, nos dias em que não havia aula, nas férias, feriados religiosos e no turno inverso, desde que o sol brilhasse e as nuvens não fossem carregadas, vivia fazendo pequenas incursões pela mata. Não transitava por estas florestas de mundo mágico, cheias de duendes e outras criaturas que só fui conhecer nos livros de histórias. Eram matinhos próximos de casa.
Eu e meus amigos formávamos pequenos exércitos de exploradores. Na verdade o exército se resumia a dois ou três corajosos soldados que avançavam decididamente com o intuito de reconhecer o território e conquistar tudo o quanto fosse possível. Apesar da audácia, mantínhamos algum cuidado. Não era medo. Era precaução. Cuidávamos para que nossos pés com o indispensável atrito com o terreno não gerassem ruídos exagerados e espantassem os animais selvagens, que porventura estivessem por ali ao alcance de nossas flechas e lanças.  Como estes bichos são ladinos e precavidos jamais ousaram se colocar na nossa mira.

15/09/2016

Os Mundos

Quando estávamos nas cavernas, o mundo era pequeno. A bem da verdade, era o mundo grande lá fora, mas, os animais que tomavam conta do planeta eram maiores e  mais ferozes. Convinha manter-se perto do esconderijo. E o que os olhos não enxergavam era como se não existisse. E os olhos pouco viam.  
A segurança vinha em primeiro lugar. Era questão de vida ou de morte. Os descuidados eram punidos. E ficar por aí explorando os arredores era coisa para poucos. Assim, o grande mundo se apequenava. Os donos eram outros. Os limites eram impostos pelo tamanho dos dentes, das garras e pela intensidade da fome.
Com o aparecimento do fogo, da lança e de alguns instrumentos rudimentares, mas, eficazes, o nosso mundo foi crescendo. Num dado momento, quando as cavernas já eram coisas do passado, os limites era outros. O frio excessivo em alguns lugares, a falta de alimentos em outros, a seca e outros inimigos contra os quais as armas eram bem pouco eficientes.
Não se sabe ao certo, mas em determinada era, os homens deixaram de se preocupar com as feras e com as variações de climáticas. Começaram, então, a lançar olhos pelas coisas que os outros homens, agrupados em pequenas tribos, faziam. E o olhar de cobiça foi crescendo. E as tribos, então, entraram em lutas para conquistar aquilo que não tinham. Valia tudo: terras, plantações, animais, mulheres, meninos e meninas para servirem de escravos.  Valia a pena sair por aí, por esse mundo enorme e sem fim, conquistando tudo o que se pudesse. 
Algumas dessas tribos criaram seus deuses e os homenageavam com tudo o que tinham pilhado no campo do inimigo. E deram a isso o nome de vitória. Acreditavam mesmo que seus deuses vibravam quando o corpo do inimigo caia sangrando na terra.  Sentiam mesmo que seus deuses os abençoavam. E a benção crescia na medida em que as vitórias se acumulavam. Assim, chegou um tempo em que não havia como não guerrear. Os deuses assim queriam. Era uma questão de fé.
Porém, toda a brincadeira por melhor que seja um dia cansa. Guerra, vitória, fé. Tudo isso misturado começou a não fazer mais sentido. E alguns aqui e acolá começaram a falar que os inimigos não estão lá, na outra tribo. Que os deuses nem no céu estão. Que os troféus de guerra são inúteis. E de loucos foram chamados. E disseram mais: que os inimigos do homem estão dentro dele mesmo e que cada ser carrega também dentro de si algo de divino.  E isso soou engraçado porque todo o mundo sabe que imperfeito é. Criou-se um problema, que alguém chamou de paradoxo. Se o indivíduo é imperfeito e o Criador não é, como pode o imperfeito carregar o perfeito dentro si?
Mas um sábio, que nem chinês era, levantou e disse que o homem deve buscar o autoconhecimento mergulhando nas suas entranhas, encarando seus ácidos e seus açúcares.  A partir daí, criando um novo ser. Como diz a gurizada: “tipo nascendo de novo”. Aí estaria o sujeito agindo como um deus, criando um ser melhor do que aquele que vinha claudicante pelo mundo afora. E este novo ser enxergaria o mundo com outros olho, pois a visão que tinha ficou lá atrás.

12/09/2016

Fatos e opiniões

Cada ação, cada acontecimento é um fato. A vitória da seleção na Olimpíada é um fato. A derrota do time no Brasileirão, outro fato. Um assassinato em Porto Alegre: triste, lamentável e quase corriqueiro fato. São fatos. São coisas objetivas. Boas ou não. São comprováveis por documentos, números, gráficos, imagens e registros.
O que se ouve sobre tudo o que cerca cada fato são opiniões. É a percepção das pessoas sobre as razões, as circunstâncias, as motivações e uma série de outros institutos subjetivos sobre o fato, levando em conta o juízo de valor que cada um imprime. Então, opinião não é fato. É a versão concebida por alguém de um fato. O fato é imutável, a opinião pode ser modificada ao longo do tempo.

01/09/2016

A Promessa

Fazer uma promessa, nos tempos mais antigos, era assumir uma dívida. Uma criança nascia com algum problema de saúde, às vezes somente muito mirrada e fraca, e a mãe se grudava no santo do dia: fosse João, José, Roberto, Vicente, Jerônimo, Wenceslau, Nicolau, Rosária, Regina, Aurélia ou Das Dores, não importava. Importava isso sim, que alguém, santo ou arcanjo, se sentisse homenageado o suficiente para garantir a vida daquele que nascia.
De outras artimanhas se lançavam mão naqueles dias. Uma junção de pequenos com menos de sete anos de idade ao redor de uma farta mesa (quando possível). Era a mesa dos inocentes, uma forma de honrar uma graça recebida. Comida para encher os olhos e as barriguinhas da gurizada.
Outros criavam compromissos como não cortar o cabelo da criança por um determinado período ou vesti-la invariavelmente de branco nas missas ou coisas neste estilo.  E ai de quem quebrasse o pacto. A promessa era uma dívida e deveria ser paga, sem lamentações nem arrependimentos. Pagar a dívida é o mínimo que se esperava.