07/09/2011

Caderno de anotações

Acontece cada uma! Durante uma caminhada por estas ruas da cidade me deparei com um caderno, na beira da calçada. A letra bem desenhada demonstra o cuidado e o capricho do escriba. Suas anotações já numa primeira análise me chamaram a atenção. Olhei para um lado e outro e nem sinal de quem o tenha perdido. Com objetivo de localizar o autor escolhi alguns trechos que achei interessantes.



Mundo encantado
O menino encontra uma lâmpada antiga. Esfrega daqui, esfrega dali e nada. Esperava o surgimento de um gênio que realize seus três desejos. Decide assoprar na boca da lâmpada e surpreendentemente é sugado sem apelação. 
Com satisfação constata que está num reino encantado. As casas branquinhas são feitas de chocolate ao leite, as janelas e portas marrons, de chocolate também. As ruas pavimentadas de mariolas. O meio fio de marshmallow. Logo na frente, uma nuvem de algodão doce descarrega uma chuva de M&M’s. Excitado corre em direção à chuva com as mãos em concha. Nisso, o menino tropeça e cai de boca numa pedra de passoquinha.
Desperta de sobressalto com sua mãe gritando ao lado: “Vai já escovar estes dentes, menino!”

Outro fim possível
“Vovô, vovô! Acorda, tá na hora da insulina!”

Planeta dos Macacos
Num planeta distante, numa galáxia qualquer, uma família de macacos assiste à Sessão da Tarde. Na tevê passa um filme onde humanos administram um planeta. “Não gosto de ficção científica”, diz o patriarca.

A rainha ranzinza
A rainha fora de casa é simpática. Ri com facilidade. Brinca e se diverte. Na tevê transmite uma paz! “Viva a Rainha!”, gritam todos quando passa o cortejo real. 
Os que convivem com ela em casa, porém, conhecem a sua outra face. Sua alteza é rabugenta, ranzinza, implicante. Gasta bom tempo do dia a gritar: “Fulano faz isso, Sicrano ajuda lá, Beltrano não fez ainda?”. 
Os súditos, porém, não abrem a boca, não contestam nada, nada. Nada comentam que desabone a rainha. Os de fora certamente não acreditarão. A rainha que conhecem pela tevê é simpática e ri com facilidade. 
Quando, porém, sentem que há injustiça no tratamento dispensado em casa falam baixinho, num tom de desculpa: “Ela não faz por mal”.

Ironia das touradas
Assistindo na tevê estas touradas, identifico na reação do público até certa evolução. Hoje chegam ao êxtase com a morte do touro. Esta gente toda, um dia, no Coliseu Romano, ria, gritava e chegava ao delírio quando os leões destroçavam sem piedade os corpos dos Cristãos. 

Constatação
Quis usar uma gíria dos tempos da turminha da adolescência, mas ela sumiu. Procurei nas gavetas da memória e nem sinal dela. Ahhhhh, foste tu Glutão (que é o tempo), sempre devorando os nossos sinais juvenis! Depois, como se desculpando, arrota palavras sérias que vamos incorporando nos nossos diálogos da maturidade.  

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