Tempos difíceis. Muita chuva, frio irresistível. Casacos, mantas, gorros, luvas. Nada disso tem sido suficiente para aplacar a vontade destrutiva deste gelume invernal. Na terça-feira, porém, o sol voltou a se mostrar. Dia especial para levar as roupas enchovalhadas para o varal. As toalhas até então amontoadas na frente de alguma estufa, numa atitude desesperada de forçar a secagem, viveram um dia de glória. Sol, muito sol. Quanta falta fazes nestes dias escuros, sombrios e tristes de inverno.
Há estudos que indicam que os sentimentos humanos são atingidos pela quantidade de luminosidade. Assim, nestes tempos de inverno áspero, rigoroso, as pessoas mais suscetíveis à tristeza, à melancolia, se retraem. O inverso é verdadeiro. A incidência de raios solares, segundo os estudiosos, faz com que todos se sintam mais felizes diante das altas temperaturas, pois a exposição à luz do sol estimula a produção de serotonina, dopamina e melatonina, três substâncias responsáveis por trazerem bom humor, energia e regulação do ciclo do sono.
Evidentemente que outros, pensando em seus trajes caprichados, suas luvas de bom gosto, sua vocação para o individual, hão de lembrar que é nesta época do ano, diante do rigor do termômetro, ávido em chegar próximo do zero grau, que as pessoas se vestem de maneira mais elegante. Nunca, porém, se viu tanta gente morrendo no Brasil e na Argentina de frio. Gente que não tem os trajes elegantes, nem a fortuna de um cantinho para chamar de seu.
Sei que nem tudo é trágico assim. Todos nós temos nossas preferências, nossos encantos. Gostamos de coisas sem racionalizar. E que bom que é assim. Se o freio da censura, do racionalismo excessivo nos acometesse diuturnamente pouco espaço sobraria para a ação. Seríamos reféns, contidos em nossos menores impulsos.
Identifico, depois de largo exercício cerebral, um lado positivo do inverno. Guardado em algum canto da memória revivo algumas cenas de uma remota infância. Em dias frios e sem chuva, moleques ainda, escondendo-se do vento gélido, nos juntávamos a descascar bergamotas e consumi-las aproveitando alguma nesga de sol. As frutas, muitas vezes ainda verdes, deixavam um forte perfume que se espraiava pelas redondezas. As unhas, nem sempre aparadas como deviam, ganhavam uma tonalidade esverdeada, removida com muito custo, com água fria e sabão.
As bergamotas duram pouco. Uma pena. Ainda hoje, aproveitando um pouquinho de sol que restava, fiz a última colheita da temporada. Sobraram poucas unidades. Ficaram nos pés só as mais feinhas, as que não vingaram. As boas, as graúdas e as alcançáveis já se foram. Restam poucas unidades. Ficarão no pé até que os pássaros as consumam.
O frio segue um pouco mais. É mais duradouro que as bergamotas. Resta, porém, neste caso, a alternativa da feira e do mercado. Ali, distante do pé, podem ser colhidas. Não têm o mesmo gosto daquelas verdes da infância. Mas é um paliativo. Remédio, aliás, eficiente, especialmente se formos agraciados por alguma furtiva nesga de sol.
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