09/07/2013

Jogos intermináveis

O futebol era nosso vício. Os jogos eram intermináveis. Não adiantava nossa mãe lembrar que devíamos esperar o almoço descer sob pena de sofrermos uma congestão. Qual nada! Os pratos ainda estavam na pia e nós já dividíamos os times. Bastava uma bola velha e a gurizada gastava tardes inteiras com intervalos resumidos para um gole de água ou um furtivo café preto com bolinho frito.
Camisetas velhas, puídas, furadas. Calçõezinhos no mesmo estado. Os pés descalços. Porém, disposição interminável para enfrentar uma maratona que só encerrava quando o pretume da noite tomava conta, escondendo as goleiras improvisadas e engolindo a bola de nossas vistas.
O campo era bom. A grama era farta. E fofa. O campinho era um terreno ao lado da casa de uma senhora idosa que curiosamente era chamada de Dona Guria. O local era baixo e nos dias de chuva nossa grama sumia sob um véu de água. Levava dias para que pudéssemos retomar às atividades normais. Ao lado do campo, uma floresta de maricás e mamoneiros. Vez por outra, nossos pés sofriam com a ação dos aterrorizantes espinhos de maricá, especialmente quando a bola precisava ser buscada no meio do arvoredo.
Os times contavam com três jogadores na linha e um goleiro. Normalmente os goleiros eram os mais velhos da turma. Nos sábados à tarde era comum a realização de torneios. Juntavam-se meia dúzia de meninos e a competição seguia enquanto as vistas enxergassem a bola. Não havia finalíssima. Em regra não havia medalha e nem troféu para os campeões. O suor e o cansaço, um que outro gol feito, um que outro salvo, uma peripécia qualquer era o troféu que levávamos para casa.
Todos éramos campeões. Mesmo aqueles que perdiam.
Um dos times de melhor campanha era o que formamos: eu, meu irmão Sérgio e o Pirão. No gol, o Mário ou, em seu impedimento, alguém arrebanhado de última hora. Nosso adversário mais corriqueiro era o time formado pelo Orildo, seu irmão Carlinhos, o Betinho ou o Luís Peito de Aço. O Marino, se minha memória não me trai, de vez em quando jogava também. Jogos feios, de muita dedicação, de muita vontade, muita força e alguns raros lampejos de qualidade.
Todos eram finais de Copa do Mundo. Não havia amistoso, jogo-treino ou frescuras que tais. Quando a bola rolava, sem juiz, sem coordenação externa qualquer, o sangue fervia de tal forma que cada falta era discutida até as últimas consequências. Evidentemente que, em alguns momentos, o tempo enfeiava. “Foi falta”, gritava energicamente um time. “Não foi”, respondia com a mesma decisão e fervor a outra equipe. Quando a coisa chegava no extremo, parava-se o jogo e iniciavam as rodadas de negociações. Até que alguém cedesse e se chegasse a um acordo.
Se não houvesse acordo? Bem, aí o que restava era o time que se achava prejudicado deixar o campo, abandonando a disputa. Era importante deixar bem claro que o time saia do jogo não por medo do adversário, mas sim porque não concordava com tamanha injustiça.
Às vezes, um adulto que se encontrava na redondeza fazia o papel de conciliador. Acalmava os ânimos e mandava a gurizada retomar a partida. O Seu Adegildo, pai do Betinho, em muitos momentos apaziguou os ânimos. Ele tinha um poder enorme sobre os meninos. Seu filho era o dono da bola. Se a encrenca fosse muito grande, Seu Adegildo mandava o Betinho pra casa. Acabava o jogo. Terminava a confusão.
“Prometem que vão jogar direitinho?”, perguntava depois de dar um discurso sobre o valor da amizade. Com medo de ter o jogo abortado, confirmávamos sacudindo a cabeça sem nem ao menos encarar o sábio veterano.
A partida recomeçava e seguia por um bom tempo. Até que uma nova falta duvidosa ou um gol irregular voltasse a tirar todos do sério novamente.  

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