Nosso campo era diminuto. Para nós, no entanto, era um local mágico. A grama era verde como estas dos melhores estádios do país. Exagero meu. Hoje, pensando bem, acho que não era tanto assim. Mas, para os olhos de meninos que fomos um dia, aquele verde era verdadeiramente um espetáculo. Tudo era um espetáculo grandioso. Cada joguinho, cada jogada. Tardes e tardes a fio, sem muitos intervalos. No máximo alguns minutos para o consumo de um copo de água quente, retirada de um suspeito poço. Geladeiras aquela turma não dispunha. Água tratada também não havia chegado à periferia.
Mas, tínhamos um campo. Cedido provisoriamente por alguém que não tinha ainda o apetite de construir. E isso, pelo menos naqueles tempos, era o que bastava.
Tínhamos um pacto informal. Todos jogavam de pé descalços. Como a maioria não dispunha de recursos para comprar uma chuteira, exigíamos democraticamente que ninguém usasse calçado. Nem Ki-Chute, que todos tinham, podia. Não havia uniforme, nem coletes. Um time de camisa, outro sem camisa. Ao havia traves. Chinelos havaianas marcavam as goleiras.
Com chuva não havia jogo. As mães temiam a incidência de alguma gripe, de um resfriado. Em dias de excessivo vendaval também a bola não rolava. No inverno, então, pouco se jogava. A friagem era inimiga cruel dos pés dos moleques. A primavera e o verão, assim, reservavam dias de muita emoção. Dias longos e quentes.
Nos dias santos algumas mães sacaneavam. Não deixavam seus filhos gastar suas energias no campo. Era pecado fazer algumas atividades. Imagine que nem ligar o rádio para ouvir uma música podia. Era pecado. Assoviar uma melodia não podia. Era pecado. Os dias santos eram tristes. Era uma verdadeira maldição. Alguns diziam que as mulheres não podiam varrer as casas, nem cozinhar. Era pecado. Odiávamos os dias santos.
Mas, no final do dia, as mães já não aguentam mais os insistentes pedidos de seus filhos. Um por um chegavam ao campinho. Se não havia gente suficiente, saíam em peregrinação na busca de mais alguns parceiros para completar os times. O tempo era curto. Dava pra jogar duas ou três partidas, no máximo. A fome era grande e não se gastava muito tempo em discussões. A bola tinha que rolar. Importava recuperar o tempo perdido.
Mas, se por um desastre não conseguíssemos completar os times, um jogo improvisado de taco começava sem muita emoção. Porém, em dado momento o gosto pela disputa ia tomando conta de todos. E as discussões voltavam com vigor. Por pouco não escorregava para a violência. Quando isso acontecia alguém mais esperto lembrava que não devíamos brigar porque era dia santo. Era pecado brigar. Mesmo que não acreditássemos muito, não era demais respeitar o desconhecido.
Cá entre nós! Nenhum santo, nenhum Deus, ninguém em sã consciência pensaria em punir uns meninos simplórios que o que mais queriam era pecar na conquista do gozo possível naqueles dias quentes, correndo apaixonadamente atrás de uma bola.
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