27/01/2014

Mínimas coisas

Minha atenta professora de Português alertava: “jamais comece uma redação pelo título”. O título é o detalhe final. Pois bem, via de regra me vejo contrariando esta norma, sem grandes preocupações. Ao iniciar a feitura de uma crônica, frequentemente mando para o espaço a regra  ditada pela  zelosa mestra,  iniciando  justamente por onde não deveria, pelo título. Um pequeno detalhe. Uma coisa mínima. Quase insignificante.
Aliás, se pensarmos bem, não é impossível concluir que a vida cotidiana até poderia ser considerada uma sequência de fatos poucos interessantes. Um amontoado de coisas comuns com poucas pitadas de sal e de açúcar. Pelo menos a vida dos simples mortais como nós, estes privilegiados seres que trabalham para pagar as contas, para garantir algum conforto e as satisfações possíveis conforme o orçamento de cada um. Vivemos sem grandes feitos, sem heroísmos, sem grandes holofotes.
Alguém há de abandonar aqui a leitura, pensando que o cronista acordou com um humor azedo. “Talvez tenha dormido de menos”, “quem sabe não teve pesadelos?”. Na verdade algumas pesquisas bem mostram que a vida é simples, até mesmo enfadonha para muitos. 
É o que se conclui, por exemplo, quando se analisa o trabalho da enfermeira australiana Bronnie Ware, especializada em cuidados paliativos com doentes terminais, que lançou um livro contendo a síntese das confissões das pessoas que chegam ao final da existência.
O que dizem elas quando não há mais possibilidade de refazer a história presente?  O principal arrependimento é o de não ter tido coragem de fazer o que realmente queriam e não o que outros esperavam que fizessem. Outra lamentação constante é o de ter gasto boa parte das energias vitais no trabalho e ter dado menos importância para a vida familiar.
Queixa também das mais presentes entre os depoentes está na falta de tempo para investir nos laços de amizade. Ou seja, as conclusões daqueles que se despedem da vida terrena em regra estão relacionadas à administração do tempo. Vive-se muito em função do trabalho, em função do que os outros pensam, em função das necessidades prementes e pouco, muito  pouco mesmo em função do lazer e do convívio prazeroso com familiares e com  os amigos.
A enfermeira-escritora vai mais longe, concluindo que as pessoas em regra estão se arrependendo do que não fizeram, justamente num momento em que não há mais o que fazer. A saúde se foi, os amigos estão longe, afastados pela falta de contato; os familiares estão doentes, fragilizados pelo convívio emotivo com a morte que se avizinha. Falta força, sobra lucidez nos últimos momentos.
Nos dias de saúde, porém, sobrava força, faltava inspiração. Os homens caminhavam desatentos. Seguiam por ruas sem apreciar a paisagem, passavam pela praia sem notar a força das ondas, sem acenos, sem sorrisos. Sérios, contidos. Pensavam no trabalho.  Não que sentissem prazer, mas sim porque entendiam que suas forças deviam ser destinadas à construção de um futuro. E, no entanto, se revela hoje que alí não estava.
Isto me lembra de antigo chefe que invariavelmente dizia aos funcionários que reivindicavam algum tipo de aumento: “ninguém é insubstituível”. A seu modo, grosso modo, de uma lambada só mandava inúmeros recados: a empresa não se interessa pela tua felicidade e pela tua família; funcionário bom é aquele que custa pouco e trabalha sem reclamar; se está descontente acha outro lugar que pague mais. Ou seja, não é aqui, trabalhando comigo que encontrará a felicidade. Dizia a verdade nua e crua.   

Outras reflexões possíveis sobre o tema:
Epitáfio
Arrependimentos

            

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