Minha atenta professora de Português alertava: “jamais
comece uma redação pelo título”. O título é o detalhe final. Pois bem, via de
regra me vejo contrariando esta norma, sem grandes preocupações. Ao iniciar a
feitura de uma crônica, frequentemente mando para o espaço a regra ditada pela
zelosa mestra, iniciando justamente por onde não deveria, pelo título.
Um pequeno detalhe. Uma coisa mínima. Quase insignificante.
Aliás, se
pensarmos bem, não é impossível concluir que a vida cotidiana até poderia ser
considerada uma sequência de fatos poucos interessantes. Um amontoado de coisas
comuns com poucas pitadas de sal e de açúcar. Pelo menos a vida dos simples
mortais como nós, estes privilegiados seres que trabalham para pagar as contas,
para garantir algum conforto e as satisfações possíveis conforme o orçamento de
cada um. Vivemos sem grandes feitos, sem heroísmos, sem grandes holofotes.
Alguém há
de abandonar aqui a leitura, pensando que o cronista acordou com um humor
azedo. “Talvez tenha dormido de menos”, “quem sabe não teve pesadelos?”. Na
verdade algumas pesquisas bem mostram que a vida é simples, até mesmo enfadonha
para muitos.
É o que se
conclui, por exemplo, quando se analisa o trabalho da enfermeira australiana Bronnie
Ware, especializada em cuidados paliativos com doentes terminais, que lançou um
livro contendo a síntese das confissões das pessoas que chegam ao final da
existência.
O que
dizem elas quando não há mais possibilidade de refazer a história presente? O principal arrependimento é o de não ter tido
coragem de fazer o que realmente queriam e não o que outros esperavam que
fizessem. Outra lamentação constante é o de ter gasto boa parte das energias
vitais no trabalho e ter dado menos importância para a vida familiar.
Queixa
também das mais presentes entre os depoentes está na falta de tempo para
investir nos laços de amizade. Ou seja, as conclusões daqueles que se despedem
da vida terrena em regra estão relacionadas à administração do tempo. Vive-se
muito em função do trabalho, em função do que os outros pensam, em função das
necessidades prementes e pouco, muito
pouco mesmo em função do lazer e do convívio prazeroso com familiares e
com os amigos.
A
enfermeira-escritora vai mais longe, concluindo que as pessoas em regra estão
se arrependendo do que não fizeram, justamente num momento em que não há mais o
que fazer. A saúde se foi, os amigos estão longe, afastados pela falta de
contato; os familiares estão doentes, fragilizados pelo convívio emotivo com a
morte que se avizinha. Falta força, sobra lucidez nos últimos momentos.
Nos dias
de saúde, porém, sobrava força, faltava inspiração. Os homens caminhavam
desatentos. Seguiam por ruas sem apreciar a paisagem, passavam pela praia sem
notar a força das ondas, sem acenos, sem sorrisos. Sérios, contidos. Pensavam
no trabalho. Não que sentissem prazer,
mas sim porque entendiam que suas forças deviam ser destinadas à construção de
um futuro. E, no entanto, se revela hoje que alí não estava.
Isto me
lembra de antigo chefe que invariavelmente dizia aos funcionários que reivindicavam
algum tipo de aumento: “ninguém é insubstituível”. A seu modo, grosso modo, de
uma lambada só mandava inúmeros recados: a empresa não se interessa pela tua felicidade
e pela tua família; funcionário bom é aquele que custa pouco e trabalha sem
reclamar; se está descontente acha outro lugar que pague mais. Ou seja, não é
aqui, trabalhando comigo que encontrará a felicidade. Dizia a verdade nua e
crua.
Outras reflexões possíveis sobre o tema:
Epitáfio
Arrependimentos
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Arrependimentos
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