27/08/2014

Cena Urbana

O inverno deu uma trégua. É sexta-feira. O sol tomou conta de tudo. Apesar disso, alguns passam por mim bem agasalhados. Saíram pela manhã, quando era frio. Agora, já perto do meio dia, sentem certo incômodo. Imprevidentes, talvez não tenham colocado uma camiseta decente por baixo. Terão que permanecer com o blusão, embora o sol esteja forte.
A praça central está bem vazia. Raros aqueles que a cortam. Passo apressado, a hora do almoço está chegando. Carrego uma sacola de medicamentos na mão. Nada demais. São para a pele da filha adolescente. Cremes e loções, coisas deste tipo.
O sol é forte. Sentada em um banco, na sombra de uma árvore passo por uma jovem. É bela, usa calça jeans, tênis e uma leve blusa rosa. Tem os cabelos amarrados com um rabo preso atrás. Está só. Num gesto rápido limpa o rosto com o dorso da mão. Ao redor dos olhos, um vermelho se destaca, sinal de que não foi uma solitária lágrima. A menina chora. E não está preocupada em disfarçar.
O sol está forte. É sexta-feira. E a jovem chora na sombra de uma árvore. Passo como quem nada vê. Muitos outros podem ter passado por ali e, como eu, nada enxergaram. Eu sigo o meu caminho. Tenho pressa. Não tive tempo para perguntar porque a menina chora. Muitos também caminham com pressa. Talvez ela nem quisesse que alguém a visse assim. Talvez nem pensasse nem precisasse compartilhar com alguém a dor que sente. Talvez tenha sido tocada por uma música que sai de seu celular e tenha relembrado algum instante que ficou marcado na sua mente. Talvez tenha sido só um instante de emoção. Daqueles que forçam uma lágrima a se lançar para fora. Talvez!
Mas, quando viro as costas e sigo meu caminho, não consigo disfarçar certa angústia. Apresso o passo talvez para esquecer disso. Deste sentimento íntimo que me acompanha sempre que me sinto impotente diante de um drama. Gostaria de fazer algo diferente, mas não faço. Caminho apressado e, lentamente, vou esquecendo desta angústia de quem não tem vocação para ser um herói.

Pássaro negro


Certo pavor tomou conta da jovem. Um pássaro preto pousou em seu frente. Sentiu um arrepio. Medo. O tempo estava fechado. As nuvens haviam tomado conta do céu. Alguns pingos de chuva caiam. Era uma tarde feia de agosto. Uma tarde fria e feia. E agora aquele pássaro negro estava ali na sua frente. Talvez quisesse dizer alguma coisa. Talvez carregasse consigo algum significado.
Pensou no futuro, nas coisas da vida, nas possibilidades de sucesso e de fracasso. E as negras penas do pássaro que a fitava firmemente pareciam revelar algo. Achava que talvez houvesse algomais por trás daquele singelo e despreocupado pássaro.
Indiferente às preocupações da jovem, o pássaro voou. Abandonou a casa. Passeou pelas árvores próximas. Respondeu ao canto dos outros. A jovem ficou ali, limpando o chão. Aliviada. Passando um espanador nos móveis. Jogando-se, por fim, no velho sofá. A tevê transmitia um jogo qualquer. Fechou os olhos. A voz do narrador sumiu. Dormiu. E sonhou que teria um futuro brilhante. Que seria feliz como era ali naquele momento. Nada atrapalharia seu encantamento. Muitas imagens em poucos instantes. Um relaxamento apenas. Um soninho de final de domingo.
O narrador grita gol. O vento entra pela janela e com ele o pássaro preto. Ele voltou. Fez pequena incursão pela sala. E a jovem novamente se arrepiou. E sentiu medo.
E o pássaro como veio, se foi. E voou novamente. Seguiu seu rumo. Sem medo.


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