O inverno
deu uma trégua. É sexta-feira. O sol tomou conta de tudo. Apesar
disso, alguns passam por mim bem agasalhados. Saíram pela manhã,
quando era frio. Agora, já perto do meio dia, sentem certo incômodo.
Imprevidentes, talvez não tenham colocado uma camiseta decente por
baixo. Terão que permanecer com o blusão, embora o sol esteja
forte.
A praça
central está bem vazia. Raros aqueles que a cortam. Passo apressado,
a hora do almoço está chegando. Carrego uma sacola de medicamentos
na mão. Nada demais. São para a pele da filha adolescente. Cremes
e loções, coisas deste tipo.
O sol é
forte. Sentada em um banco, na sombra de uma árvore passo por uma
jovem. É bela, usa calça jeans, tênis e uma leve blusa rosa. Tem
os cabelos amarrados com um rabo preso atrás. Está só. Num gesto
rápido limpa o rosto com o dorso da mão. Ao redor dos olhos, um
vermelho se destaca, sinal de que não foi uma solitária lágrima. A
menina chora. E não está preocupada em disfarçar.
O sol
está forte. É sexta-feira. E a jovem chora na sombra de uma árvore.
Passo como quem nada vê. Muitos outros podem ter passado por ali e,
como eu, nada enxergaram. Eu sigo o meu caminho. Tenho pressa. Não
tive tempo para perguntar porque a menina chora. Muitos também
caminham com pressa. Talvez ela nem quisesse que alguém a visse
assim. Talvez nem pensasse nem precisasse compartilhar com alguém a
dor que sente. Talvez tenha sido tocada por uma música que sai de
seu celular e tenha relembrado algum instante que ficou marcado na
sua mente. Talvez tenha sido só um instante de emoção. Daqueles
que forçam uma lágrima a se lançar para fora. Talvez!
Mas,
quando viro as costas e sigo meu caminho, não consigo disfarçar
certa angústia. Apresso o passo talvez para esquecer disso. Deste
sentimento íntimo que me acompanha sempre que me sinto impotente
diante de um drama. Gostaria de fazer algo diferente, mas não faço.
Caminho apressado e, lentamente, vou esquecendo desta angústia de
quem não tem vocação para ser um herói.
Pássaro negro
Certo
pavor tomou conta da jovem. Um pássaro preto pousou em seu frente.
Sentiu um arrepio. Medo. O tempo estava fechado. As nuvens haviam
tomado conta do céu. Alguns pingos de chuva caiam. Era uma tarde
feia de agosto. Uma tarde fria e feia. E agora aquele pássaro negro
estava ali na sua frente. Talvez quisesse dizer alguma coisa. Talvez
carregasse consigo algum significado.
Pensou
no futuro, nas coisas da vida, nas possibilidades de sucesso e de
fracasso. E as negras penas do pássaro que a fitava firmemente
pareciam revelar algo. Achava que talvez houvesse algomais por trás
daquele singelo e despreocupado pássaro.
Indiferente
às preocupações da jovem, o pássaro voou. Abandonou a casa.
Passeou pelas árvores próximas. Respondeu ao canto dos outros. A
jovem ficou ali, limpando o chão. Aliviada. Passando um espanador
nos móveis. Jogando-se, por fim, no velho sofá. A tevê transmitia
um jogo qualquer. Fechou os olhos. A voz do narrador sumiu. Dormiu.
E sonhou que teria um futuro brilhante. Que seria feliz como era ali
naquele momento. Nada atrapalharia seu encantamento. Muitas imagens
em poucos instantes. Um relaxamento apenas. Um soninho de final de
domingo.
O
narrador grita gol. O vento entra pela janela e com ele o pássaro
preto. Ele voltou. Fez pequena incursão pela sala. E a jovem
novamente se arrepiou. E sentiu medo.
E o
pássaro como veio, se foi. E voou novamente. Seguiu seu rumo. Sem
medo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário