Naqueles
tempos em que a nossa infantilidade imperava, investíamos algumas
energias em atividades lúdicas. E, verdadeiramente, não tínhamos
preocupações ecológicas. Ninguém tinha, naquela época. Minto, o
José Lutzenberger tinha. Mas, ele era considerado louco. Um maluco
que pregava o apocalipse. Era um visionário que enxergava perigos na
derrubada de árvores, no lançamento de dejetos nos rios, nos lagos
e no mar. Era um homem estranho que aparecia na capa dos jornais
defendendo coisas que não falavam, que não se expressavam. Dava
valor aquilo que ninguém notava. Convenhamos, isso era uma coisa
muito estranha naqueles tempos em que o que mais havia era árvores e
água limpa. No nosso meio, ao menos, ninguém entendia muito bem o
que ele queria, afinal.
A
gurizada, por sua vez, longe das polêmicas, gostava mesmo era de
caçar passarinhos. E o instrumento usado era a funda ou o bodoque,
como também é conhecido. Durante a tarde juntávamos a munição,
pedrinhas redondas, e saíamos para o mato. A vontade era trazer
farta caça. Não se fazia barulho. Pé ante pé nos deslocávamos
procurando por uma presa. As pombas rolas eram as preferidas.
Porém,
se dependesse do resultado de minha caçada para viver morreria de
fome. Confesso que minha incompetência era tanta, minha mira era tão
ruim, que jamais (eu disse jamais) acertei qualquer pelota em
passarinhos. De certo modo, hoje passadas algumas décadas, isto me
serve de consolo. Na época, no entanto, sofria com minha falta de
habilidade.
Em
passarinhos jamais acertei uma fundada. Mas, em outro menino, isto
consegui. Estávamos nas nossas estrepolias normais com fundas e
pedras e um amigo, que se chamava Mauro, ficou gozando das minhas
habilidades (ou ausência de) de caçador. Eu, no instinto, virei a
funda em sua direção. E ele ficou rindo dizendo que não acertava
em pássaro e nem nele. Fiquei possuído de raiva e fiquei apontando
a perigosa arma. E ele ria como uma hiena. E meus dedos foram ficando
cansados. Tinha vontade de soltar a pedra em sua direção, mas, por
outro lado, algo dizia que não devia cometer aquele desatino. E o
diálogo continuou por tempo indeterminado. E meus dedos foram
relaxando. E Mauro continuava rindo despudoradamente. Até que
simplesmente escapou a pedra, pequena pedra, e num tiro certeiro
passou raspando a cabeça do Mauro, arrancando mesmo alguns de seus
fios de cabelos.
Na hora
senti que tinha feito uma grande bobagem. Saí correndo dali com
medo. Mauro também saiu dali com sangramento no couro cabeludo. Não
preciso dizer que, por conta da traquinagem, levei algumas cintadas
em casa.
A mãe
do Mauro era mesmo uma santa. Até foi lá em casa para averiguar o
fato. Saiu de lá dizendo que era coisa de moleque.
Boa
pontaria eu tive naquela única e decisiva vez.
Minha
vontade predatória na caça de passarinhos, como disse, foi
suplantada pela minha imperícia no uso da funda. Já o velho
ecologista, Lutzenberger, como bem demonstra a história tinha uma
mira certeira.
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