Estudava
no segundo grau, à noite. Na década de 70, era assim que se chamava
o ensino médio. Era o mais novo da turma. Tinha uns 14 anos de
idade. Minha turma era de pessoas mais velhas. Gente que havia
deixado de estudar e, agora, encarava novamente os bancos escolares.
Queridos colegas. Compenetrados, sérios. Eu era um moleque. Sério,
compenetrado mas, ainda assim, um moleque. Havia colegas com
incríveis 40 ou 50 anos. Gente calejada, experiente, com bons
empregos e família constituída.
Para
variar minha situação não era das melhores. Trabalhava durante o
dia num subemprego. Ganhava uma fortuna ao redor de meio salário
mínimo. Não precisa dizer que vivia invariavelmente pelado. A
impressão que tinha era que os bolsos da minha única calça jeans
serviam tão somente para esquentar as mãos. A dinheirama que
ganhava servia para a compra de uma blusa cacharel azul, uma camiseta
ou um par de tênis ou sapatos dos mais simples, em três ou quatro
vezes no crediário das Casas Luiz. Um produto a cada mês, é óbvio.
Num mês, camiseta; noutro calça; no seguinte, um tênis e assim por
diante. Ao final do ciclo, os primeiros itens já estavam surrados,
entrando novamente na lista da reposição.
Havia
um colega de aula, o Laerte, que era pastor. Seu cabelo era
milimetricamente penteado. E durante toda a aula assim permanecia,
sem qualquer sinal de rebelião. Ele usava calças jeans e sapatos.
Era muito estranho, pois ninguém usava jeans com sapatos naqueles
tempos. Só o Laerte. Na verdade, calça jeans só se usava com
tênis. Era uma norma, uma lei imposta pelo costume. Mas, o Laerte
não cumpria esta lei. E, além disso, cometia outro sacrilégio: sua
mulher frisava a calça jeans com ferro quente. Com isso, o sério
Pastor, tão dedicado às coisas do céu e pouco atento aos costumes
mundanos, cometia dois pecados mortais diante de meus olhos.
O
relógio andou e já estávamos nos anos 90. O tempo passava
lentamente. Não havia ainda a internet. Computadores de mesa
existiam, mas era uma raridade. Celulares existiam na Itália. Mas
era uma caixa enorme e pesada. Como morava na Grande Santa Rosa,
estudava na Faculdade de Direito de Santo Ângelo. Era colega de um
rapaz chamado Juliano.
Era
novinho, o Juliano. Meio atrapalhado, de boa família. Seu pai, se
não me engano era delegado. Juliano usava calças jeans e tênis.
Era correto o Juliano. Porém, havia um colega, não sei se de
Santiago ou de São Luiz Gonzaga, que implicava com ele. Não com o
Juliano em si, mas com os tênis dele. Ocorre que os tênis do
Juliano eram brancos. Imaculadamente brancos. Alvíssimos como os
lençóis daquelas propagandas de sabão em pó.
Não
sei porque cargas d´água a brancura dos tênis de Juliano faziam
mal a este colega. Quase que diariamente Juliano era alvo da ira do
desalmado. Ele, de espírito sorrateiro, esperava o momento oportuno
e pisava com decisão no alvo pisante. Deixava uma mancha. Juliano
olhava para baixo resignado. Não reclamava. Talvez preferisse uma
silenciosa vingança. No outro dia, lá estava ele novamente com seu
tênis impecável, aumentando a ira do outro.
Este
colega implicante vivia cercado de belas, sorridentes e descoladas
meninas. Algumas delas, vez por outra, também ostentavam tênis
sujinhos. Cheguei à conclusão que, naquela época, mulheres não
gostavam de homens com tênis brancos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário