Se a
noite está bela, se lua e estrelas iluminam o céu por aquelas
bandas uma certeza se tem: ninguém corre perigo. A tranquilidade não
será alterada. Os cães podem dormir tranquilos como dormem seus
donos. As ferramentas podem descansar nos galpões, depois de um dia
de muito trabalho. Os carrinhos de mão podem ficar abandonados no
quintal. Enxadas, pás e picaretas nem precisam ser guardadas.Tudo
ficará relaxando no seu devido lugar. As galinhas no poleiro, os
porcos no chiqueiro, as cabras no potreiro. Se a noite está bela,
tudo ficará onde deve. Não há certeza maior: amanhã tudo estará
no mesmo lugar.
Mas, se
o céu está rebelde e derruba água sem conta. Se raios riscam a
escuridão e se jogam na mata, assustando os meninos que não
conseguem dormir, o perigo está à solta. Se mesmo os cães, tão
zelosos e valentes, abandonam seus postos e buscam refúgio temendo o
barulho ensurdecedor dos trovões, todos têm certeza: Santolin está
atento. E se o vento assoviar e com sua força jogar os galhos das
árvores próximas da casa para lá e para cá e se esses galhos
molengos como marionetes baterem nas telhas e assustarem o gato
Mimoso, que se esconde embaixo do fogão de lenha, ainda quente, o
homem encontrará todas as condições para agir.
Santolin
entrará pelo portão da frente, passará pelo lado da casa, visitará
os quintais, entrará nos galinheiros, carregará o que pode. E
ninguém, absolutamente ninguém o verá.
E no
dia seguinte, quando o vento já sumiu, os raios se foram, os trovões
cessaram e a chuva passou, restará somente a lama no pátio, as
folhas caídas no quintal e uma telha quebrada. O cusco com cara de
sono se levantará lentamente. O galo que sobrou no galinheiro nem
cantará. Triste, sentirá falta da companhia que se foi. E o dono da
casa, que recém saiu da cama, passará as vistas pelo quintal e não
verá mais o seu carrinho de mão. Chamará pela companheira, que já
tem uma cuia na mão, e fará um leve movimento com o queixo
mostrando o estrago que ficou. Nem vai procurar por ferramentas, por
galinhas nem pelas cabras. Saberá que, naquela noite em que nem o
diabo ousaria sair de casa, Santolin o visitou. E pedirá um mate. E
vai sorvê-lo lentamente enquanto pragueja alguma coisa.
Para
Santolin não importa se for compadre, parente ou amigo de longa
data. Quando o caos se estabelece, quando ninguém sai à rua, ele se
torna um bicho, enfrenta tudo o quanto pode, junta todas as suas
forças e sai cortando o vendaval para uma visita aos colonos.
Dizem
que ele leva tudo. Tudo não. Só deixa os cães. Respeita os amigos
que nunca o denunciam.
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