Ele era o mais velho da turma. Tinha dois ou três
anos a mais. E isso para nós era muito tempo. Mas era tão infantil,
tão virgem e tão atrapalhado quanto podiam ser os meninos de treze
anos naqueles tempos. Tudo ainda era sonho. A realidade é que nossa
turminha sonhava. Queríamos aventuras. Amorosas de preferência.
Aventuras é que menos aconteciam. Elas eram idealizadas e vividas
nos mínimos detalhes dentro dos quartos, das salas e nas garagens,
enquanto pais, mães e irmãos ali não estavam. Longe dos olhos dos
outros, liberávamos nossos sonhos narrando em voz alta o que
faríamos nesta e naquela situação.
As meninas faziam parte da turma e de nossos
sonhos. Aos sábados, então, que eram longos, tínhamos tempo
suficiente para ouvir uma música, tomar um café preto, comer um
resto de pão, conversar, caminhar pela cidade a esmo.
Encontrar as meninas da turma era muito bom. Elas
iam se juntando aos poucos. Em dado momento ficavam na frente da casa
de uma delas, brincando, sorrindo e aguardando o resto da turma. E
chegávamos arrastando nossas asas, como franguinhos esperançosos. E
sorríamos. E contávamos piadas. E nos mostrávamos o quanto podíamos,
tentando conquistar alguma atenção. Mendigando, talvez, um carinho.
E nas janelas, de olhos atentos, irmãos mais velhos e pais vigiavam
suas virgens.
No final de tarde, início da noite, quando as
meninas se recolhiam, tudo ficava mais triste, mais sombrio. Um dos
nossos, o Coiote, parecia ser tomado pelo desespero quando o sol dava
lugar à lua. Se confinava no quarto e ligava uma vitrolinha.
Invariavelmente, as lágrimas escorriam pelo seu rosto molhando sua
barba vermelha e mal aparada. Falava o nome dela e chorava.
A turminha era grande. Porém, por uma questão
de praticidade e de identificação, formavam-se subturmas. No meu
caso, durante muito tempo transitava com o Vermelho e o Coiote. Nos
dias de folga da escola nos juntávamos e desfilávamos pra lá e pra
cá. E trocávamos confidências e fazíamos planos de mútuo
auxílio. E saíamos juntos tentando de alguma forma colocar em
prática os nossos devaneios.
E o Coiote era quem mais devaneava. Era
dramático. Sonhava com os olhos abertos. Repetia diálogos inteiros
que teria com sua pretensa amada. Ela era desajeitada. Mas não para
o Coiote. Ela era a mulher ideal, a mãe de seus futuros filhos. E
ele sofria sempre que pensava nela. No íntimo sabia que seria
rejeitado. Coiote queria ser Elvis Presley. Ela queria ser Priscila
Presley. Mas queria outro Elvis ao seu lado. Ela desejava o Vermelho.
E ele dançava bem. Magro, cabelo liso e sardento, vestia uma jaqueta
de napa imitando couro. Tinha botinhas estilo cowboy. E tinha um
disco do Elvis.
Alguns dias antes de uma reunião dançante,
Coiote preparou um repertório enorme de diálogos que teria com sua
Priscila. Treinou em casa todos os rebolados do Rei do Rock. Vermelho
foi seu professor. Não tinha como dar errado. Na noite da festa
humildemente a convidaria para uma dança. Elvis seria o fundo
musical. Primeiro Blues Suede Shoes. Depois quando estivesse
encantada com seu gingado, Love me Tender. E aí seria amor para
sempre.
Eis que chegou a noite esperada. Priscila Presley
havia escolhido a melhor roupa. Nem parecia aquela menina feia e
desajeitada. Uma tiara rosa na cabeça e os cabelos bem alinhados
revelavam que ela também tinha investido algum tempo na preparação
para a festa. Coiote, por sua vez, estava nervoso. Seu cabelo rebelde
não aceitava o topete que ele tanto queria impor. Quando secava
ganhava ondulações. E isto era um verdadeiros pecado. Seu orçamento
apertado não permitia que comprasse brilhantina, gel ou qualquer
destes produtos que deixam a cabeleira armada.
Por outro lado, havia comprado uma enormidade de
Plets de Hortelã. Reconhecidamente tinha mau hálito e não queria
que este pequeno detalhe atrapalhasse sua conquista. E ficou prá lá
e prá cá. Indeciso, olhava pra ela. Porém, em momento algum teve
coragem de convidá-la para dançar. E veio Elvis e ele paralisou. E
seu olhar ficou travado. Repentinamente destravou e quando pensou em
avançar, Priscila correu em direção ao Vermelho, que estava muito
perto, e o pegou pela mão. E os dois saíram pela pequena garagem
dançando Tutti Frutti. E depois ainda dançaram Sylvia. E Coiote
ali aguentando aquela humilhação. Seu rosto estava vermelho. Suava.
Não acreditava.
No fundo mantinha alguma esperança. No final
poderia ainda reverter o jogo. E Priscila, que tanto desejava,
acabaria a noite dançando com ele do jeito que havia planejado. No
entanto, quando o Rei cantou Love me Tender e a cabeça dela repousou
sobre o ombro de Vermelho e ali permaneceu como se estivesse
descansando, os olhos de Coiote foram inundados. E ele não podia
mais ficar ali. E saiu correndo, segurando o choro. E no lado de
fora, longe dos olhos dos outros, sentou numa pedra e ficou olhando
para a lua. E sua dor era tanta que ao vê-lo assim meu coração
parecia querer saltar do peito. Nenhuma palavra saiu de minha boca.
Apenas pude dar um leve abraço antes de abandoná-lo, com a certeza
de que dentro de alguns dias estará bem novamente. E voltará a
fazer outros planos elegendo outras Priscilas para seus devaneios.
Lá dentro a festa continuava animada. Dividido
entre um amigo que sofria e o outro que dançava balançando seu
topete vermelho, nada mais podia fazer além de ouvir a música que
não parava.
Esperava o fim da festa quando ajudaria a
recolher a vitrola, a luz vermelha e os discos de Elvis.
Seja qual for a geração, sonhar nessa idade é sempre marcante. Muito boa crônica!
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