03/11/2015

Papo de Bar

Ilustração: João Werner
Todos os dias, no final de tarde, com chuva ou com o sol ainda mostrando-se graciosamente antes de ser engolido pela noite, ele dá expediente no boteco. Toma um liso, acende um cigarro. Espera o momento oportuno para proferir sua conhecida palestra. Eis que chega a sua vez. Como é de costume não desperdiça a oportunidade que lhe cabe.
 Com ar professoral analisa a postura da defesa do tricolor. E vai além, lembrando a inoperância do ataque colorado. Mostra com os dedos ainda sujos de argamassa a melhor forma de postar os homens de meio campo. Os dedos cansados e machucados pelo serviço do dia se tornam homenzinhos hábeis. Parecem dispostos a sair correndo trás de uma bola, a trombar com o meia armador habilidoso do time adversário, a fechar os espaços nas costas dos laterais que avançam e não têm fôlego para voltar. Pena que o treinador de seu time não vê isso, pensa. Tudo poderia ser melhor se o professor tivesse alguma lucidez e não fosse tão burro como se mostra nos últimos jogos. 
E sai do esporte apressadamente e entra na política, sem qualquer intervalo. Analisa as últimas do congresso, apontando com os mesmos dedos as incongruências dos parlamentares. E lamenta os conchavos, os erros e os desmandos. 
Num salto e já está na bolsa de valores. Critica algumas empresas que mostram um declínio preocupante. Com ar de esperteza, diz que tudo vai se refletir nos índices de inflação logo ali e que não gostaria de pagar mais esta conta.
Depois de mais uma ou duas viagens por setores distintos, onde analisa os fatos sem muitos pormenores, toma mais um liso, fuma mais um cigarro. E se vai. Deixa para trás o papo do dia. Ali, no boteco simples, desses com propagandas velhas onde modelos loiras seguram uma garrafa de cerveja com alguma sensualidade, onde rapaduras e doces encontram-se empilhados no velho balcão, onde um velho rádio sintonizado na emissora local toca uma música regionalista sem muito sentido, ele encontra  a sua tribuna. 
Pela sua atuação tão firme e convincente conquistou, é verdade, certo respeito entre seus parceiros de copo. Sinal disso é que não ousam interrompê-lo em suas pregações. É o único, talvez, que não sofra com réplicas e tréplicas. Ele é aquilo que se costumava chamar de dono do campinho. Mas é só ali, naquele círculo restrito, que seus dedos de generalista se mostram tão vivos e tão leves. É no velho boteco, mantido há décadas pelo mesmo e cansado dono, que sua atuação é brilhante. Mais do que isso: é indispensável.   


Saiba mais sobre a ilustração: João Werner

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