Era um domingo de Dia da Mães. Rubens Barrichello, piloto brasileiro de Fórmula 1, vinha com um pé que era um leque. O ano era 2002, na Áustria. A equipe era a poderosa Ferrari. Em segundo vinha Michael Schumacher, número um da equipe. Se tudo corresse como vinha até a última volta o resultado seria um só: Rubens em primeiro e Michael em segundo.
O narrador da Rede Globo estava empolgado. Mas, tinha uma pulga atrás da orelha. Cléber Machado vinha narrando num ritmo acelerado. Emocionado com a possibilidade de mais um pódio brasileiro na elite do automobilismo mundial, parecia em êxtase.
E lá vinham os dois carrinhos vermelhos para a última volta. Rubens em primeiro, Michael em segundo. A corrida estava no fim. Faltavam poucos metros para cruzar a linha de chegada. Ninguém em sã consciência imaginaria que o resultado fosse mudar. Cléber Machado homenageou a mãe do Barrichello. “Vai ter música de vitória?”. E os carrinhos deslizam na pista. E o narrador informa que a única mãe de piloto que não foi na pista ver ao vivo foi a de Barrichello. Ainda bem! Eis que o inesperado aconteceu. A equipe italiana meteu o bedelho e, através do serviço de rádio, determinou que o brasileiro tirasse o pé do acelerador e deixasse o alemão receber a bandeirada.
Na última curva, faltando meia dúzia de metros, o alemão ultrapassou o brasileiro. “Hoje não! Hoje não!”, dizia o narrador que, surpreso teve que improvisar um “hoje, sim!”, para marcar a mutreta italiana na cara de todos. Comentaristas lamentaram destacando a atitude antidesportiva da Ferrari. “É inacreditável”, disse Machado, ressaltando que não havia nenhuma necessidade da escuderia fazer este tipo de coisa. Protestos, denúncias, lamentações. Não deu em nada. Na verdade, pensando bem, Fórmula 1 nem chega a ser esporte. É espetáculo. É show. E no mundo do espetáculo, como em muito do que nos cerca, expressões como ética e moral nem estão assim tão em voga.
Lembrei deste fato quando atualizava as notícias e li, com alguma surpresa, que o Capitão presidente desautorizava o Ministério da Saúde a adquirir vacina contra a Covid-19. Imagino a decepção daqueles que colocam suas esperanças em cima de uma vacinação em massa. Ficam com cara de Cléber Machado, diante de mais uma frustração: “Hoje não, hoje não! Hoje, sim!”. Como os governadores têm autonomia para adquirir as vacinas é provável que assim ajam.
Olhando friamente, sem os olhos na pista e a bandeira na mão esperando uma vitória, é óbvio que a expectativa exagerada em relação a uma vacina não é algo positivo. Vê-se que os laboratórios estão numa corrida maluca. Que testes têm sido feitos e os resultados ainda não são claros. Ainda nesta semana noticiou-se que um voluntário brasileiro morreu em decorrência da vacinação com pelo produto da Oxford. Ou seja, a corrida é longa. Até a linha de chegada muita coisa pode ocorrer. O melhor que se pode fazer, ainda, é manter-se atento às recomendações das autoridades sanitárias. No mais é aguardar sem ansiedade e sem desespero.