Não sei precisar se a crise atingia todo o país ou se era localizada sobre a nossa casa. Certo é que o armário de mantimentos, naqueles tempos de esquálidas vacas, constantemente encontrava-se em crise. Para desespero de minha mãe que tinha que encontrar alternativas para alimentar aquelas bocas pouco exigentes. Com a criatividade que só uma mãe amorosa em desespero tem, juntava um restinho daqui e outro dali, e alguma coisa comestível, como num passe de mágica, saia da panela. Pratos pouco convencionais, como polenta e sardinha, vez por outra davam o ar da graça. E era uma delícia, sim!
A vizinhança, na mesma condição de lamúria, era comparsa em experiências, em virações, em inventividades. As ideias corriam como o fogo em um rastro de pólvora. Algumas delas, no entanto, mostravam-se absolutamente desastradas. Foi o que ocorreu certo dia em que se decidiu na vila que o cardápio do meio-dia seria um cozido de pulmão de vaca. A molecada, armada de algumas moedinhas, correu até o fétido matadouro. A iguaria trazia em saco de pano deixava um carreiro de sangue no chão. O pulmão vinha com um pedaço da traqueia. Era feito de se ver. Com tanto amor e carinho as mães jogaram-se a limpar o produto e levá-lo ao fogo. Levantava uma espuma densa, quase que derrubando a tampa da panela. Depois de pronto, bem o panorama não se mostrava dos mais animadores. A tal iguaria não passava da boca. Mastigar aquela massa era o mesmo que morder um isopor. Os cães ao menos tiveram ração de sobra entre aquelas casinhas mal caiadas.
Outra vez a crise estabeleceu-se sobre o café. O preço do produto foi às alturas. O pó preto tornou-se um luxo. O jeito encontrado foi, inicialmente, a adição de corante Três Pinheiros, fabricado no interior do Itati, feito à base de açúcar queimado, para tornar o café mais forte e assim economizar na quantia adicionada ao saco de passar. Não obstante a distorção no sabor – que nossa condição não permitia que notássemos - a solução fez sucesso. Nunca se vendeu tanto corante como naquela época.
Porém, sabe-se que quando a maré não é boa sempre existe a possibilidade de piorar um pouquinho mais. E foi o que aconteceu. O café, que já era caro demais para aqueles orçamentos diminutos, restou terminantemente proibitivo. Lá se foram as criativas mães atrás de uma solução para o problema. Não sei de quem foi a ideia, porém, sei que todo mundo copiou e virou moda entre aquela gente substituir o café por cevada. O resultado era um líquido claro, fino e quente, um mijinho qualquer, de gosto indefinido, sem graça. Para aumentar a consistência, as mães valeram-se novamente do corante, que ganhou sobrevida. Bem, até pode ser que alguém tenha gostado daquela desesperada mistura. Meu paladar, ainda bastante primitivo, não aprovou o tal chafé de cevada.
Dia desses, passando na frente de uma gôndola de um mercado encarei um pacote de cevada. Ali, ao lado do café, ela tentava se disfarçar. Acho que ela ficou até inibida com nosso reencontro. Mas a reconheci de cara. Até o desenho era o mesmo. Olhei para o lado, rápido, pois tive a impressão de que alguém ouvia o som dos meus pensamentos: “cevada, cevada, tu não me enganas. Quem nasceu para ser cevada jamais chegará a café!”.
Obrigada, não sabia queera o café dos pobres! os outros dias ganhei um e procurando saber para qué é que serve achei teu comentário...Assim que não é café nem cevada!! Porém gostei muito da tua triste apresentação das mães fazendo milagres para os filhos!
ResponderExcluir