28/02/2013

As cores da volta às aulas


A volta às aulas é sempre motivo de festa. Nos bairros, meninos e meninas caminham em fila pelas ruas em direção às escolas carregando nas costas suas inseparáveis e coloridas mochilas, sempre abarrotadas de material.  Nas escolas do Centro da cidade, as filas são de carros e vans transportando a alunada. Disputam cada vaga de estacionamento, artigo raro no presente momento. Filas duplas e até triplas não são novidade.
A imagem dos estudantes, alegres ou sonolentos, com ombros e coluna vertebral sobrecarregados pelas pesadas mochilas, me leva a um tempo muito distante onde havia muito pouco glamour. As roupas não eram da moda. Os corredores do colégio, como se dizia então, não eram passarelas onde a gurizada mostrava a última peça da coleção de Outono. Os estudantes da escola pública usavam guarda-pós brancos. Todos, sem exceção. Quem não chegasse ao portão com o uniforme era mandado embora, acompanhado de um bilhete. Os pais não eram comunicados por telefone, porque isto era artigo de luxo.  Não eram muitas as escolas que tinham um aparelho instalado.
O material era restrito. Em qualquer pastinha cabia o caderno, o lápis, a caixinha de lápis de cor, a borracha e o apontador. A caixa de lápis colorido era um artigo à parte. Ela demarcava e escancarava a condição econômico-financeira da família do aluno. Pobres levavam uma caixinha com reles seis lápis: um vermelho, um amarelo, um verde, um azul, um roxo e um branco. Os remediados esnobavam caixas enormes com 12 ou até 24 lápis. Já os da ala dos mais aquinhoados abriam sobre a mesa uma caixa com impensáveis 36 lápis. Era um verdadeiro arco-íris. Além das primárias e secundárias, havia um rosário de belas cores como celeste, violeta, lilás, salmão, oliva e rosa. 
Na minha primeira turma, na Escola Municipal Nehyta Ramos, do Bairro Popular, vulgarmente conhecido pela alcunha de Vila das Pererecas, eram poucos os alunos que tinham material escolar. Para aquela gente de poucas posses, valia o improviso que iniciava nos primeiros dias de aula e chegava até o fim do ano escolar. A maioria dos alunos valia-se dos cadernos doados pelo governo. Eram pequenos de 12 ou 24 páginas. Na capa uma bandeira do Brasil, na contracapa o Hino Nacional. Havia ainda espaço interno para o Hino à Bandeira e o Hino Rio-grandense.
As mochilas ainda não circulavam por aí. Os mais aquinhoados tinham pastinhas de papelão ou de napa com desenhos toscos de super-herói ou outra coisa qualquer. Eu e meus amigos modestamente levávamos nosso rico material dentro de sacos de cinco quilos de arroz ou de açúcar. 
Dia desses contei isso para meu filho mais novo, o Bruno, e ele achou muito engraçado. Lembrei que ao menos meu feio caderno, rabiscado sem muito capricho, era de uma doçura e tanto.  
Um dos dramas era quando acabava o lápis ou era extraviada a borracha. Acho que as escolas tinham estoque limitado de material, pois era um verdadeiro parto a reposição aos alunos. Sabendo disso, fazíamos verdadeiro malabarismo para usar o lápis até o ínfimo pedaço. Somente eram abandonados quando os cadernos ao invés de riscos ganhavam marcas das nossas unhas.
Doces e ingênuos tempos. Íamos para a aula com insuspeitável alegria. Aprendíamos na escola desde cedo a administrar o pouco, o quase nada, sem traumas e sem queixas.  

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