Aspecto do Centro de Osório (foto-Memória Osoriense) |
A cidade que foi vista pelos olhos de nossos avós e pais não existe mais. O singelo casario, testemunha de um distante passado, foi posto no chão. Substituído pelos feios prédios de linhas retas, sobrevive ainda nas fotografias antigas. Ali, nestes flagrantes de um tempo antigo, a cidade é outra. As ruas são outras, as árvores são outras, as pessoas são outras. Os homens de terno e chapéu, moleques de calções largos, amarrados com cordão na cintura e pés descalços, mulheres de roupas discretas e pouco insinuantes. Tudo é sóbrio nas fotos em preto e branco.
As velhas ruas, de areia com leve cobertura de cascalho, distribuíam pó quando os poucos carros ousavam transitar por ali causando verdadeiro desespero em Dona Joaquina que minutos antes havia distribuído suas roupas recém lavadas no varal nos fundos da casa. Nos dias de chuva, o drama era outro. O lamaçal empantanava as botinas grosseiras, os sapatos mais refinados e os pés dos moleques. O pó e a lama, que tanto incomodavam as prestimosas donas de casa e todos os outros, não existem mais. Foram sepultados pela pedra irregular que machucou durante décadas os maçambiqueiros do Morro Alto. Até que outra camada, desta vez de asfalto, fosse lançada sobre as pedras cobrindo de uma vez por todas o pó da Dona Joaquina e as pontas irregulares que machucavam os pés dos negros da corte da Rainha Ginga. Os dançarinos não são mais os mesmos. Os versos, porém, que embalam seus corpos e suas mentes são os de então: “Ei, nossa rainha saia para fora, com a sua ordenança, vamo-nos embora”.
A venda da esquina, que tinha de tudo um pouco, açúcar, farinha e erva a granel, também está viva na foto antiga. O que não aparece é a sua vida interior. Lá dentro, latas de querosene, combustível usado para as pixiricas que iluminavam as casas simples da periferia, onde os postes de energia se negavam a chegar. Chinelos Havaianas, alpargatas, rapadurinhas de leite, paçoquinha, pirulito, balas Mocinho e Azedinha, metros e mais metro de fumo em rolo, enxada e pá. A indispensável Essência Olina, para todos os males da má digestão, e a insuperável Maizena. Um embarrado aipim, que ao ser cozinhado se desmanchava, depois de pesado na balança do Seu Zé seguia enrolado com capricho nas grandes páginas do Correio do Povo.
Cartões de crédito, cheque ou dinheiro nem pensar. Em cadernetas o bodegueiro anotava as compras feitas no mês. Depois correria atrás para cobrar. Um que outro sorrateiramente sumiria da vila no meio do mês, sem endereço deixar. Prejuízo para a venda. Conversa para mais de mês. “Onde andará o João da Maria que saiu sem me pagar?”, insistentemente falaria o comerciante. Até que um dia, enfim, cansado de tanta espera, assumiria o calote aumentando em alguns centavos alguns produtos para distribuir entre repassando aos outros fregueses o prejuízo que tivera.
Os olhos dos meninos de hoje já encontraram a cidade como está. Nem especulam que tenha sido diferente. Nem imaginam os folguedos, as bailantas, as matinês nos cinemas que há muito foram fechados. Dia haverá em que talvez encontrem um pequeno baú de guardados. Dentro velhas fotografias imagens estranhas, com casas pequenas cercadas com ripas de madeira.
As imagens teimam em impedir que a cidade do passado seja sepultada definitivamente.
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Para saber um pouco mais
Maçambiques
Osório- foto antigas
Fotos antigas de Osório
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Maçambiques
Osório- foto antigas
Fotos antigas de Osório
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