Lidar com o passado pode ser uma arte. Há pessoas que vivem o presente e o futuro plenamente, buscando distanciamento das experiências antigas. São mutantes que seguem sua existência vivendo minuto a minuto, hora a hora, dia a dia sem olhar para trás. É um mecanismo de defesa que blinda o ser de possíveis momentos traumáticos ou desagradáveis. Mas isso é uma exceção. E, na realidade, um problema a ser superado. Em regra, vivemos com a gaveta do nosso passado aberta. Se estiver organizadinha, arrumadinha, tudo bem. O problema é quando ela está bagunçada!
Tal qual o futuro, que ainda está sendo gerado, o passado, mesmo sendo fato consumado, virtualmente está presente. E o nosso futuro vai depender das escolhas, dos caminhos, das opções que fizemos, trilhamos e programamos algum dia. Assim, passado, presente e futuro se interligam no nosso dia a dia.
Enquanto crianças e adolescentes, mais preocupados com a brincadeira da hora, com as mudanças corporais e comportamentais de então, pouco nos detemos em questões desta ordem. Falta maturidade, é claro. Há coisas mais urgentes a serem feitas. Coisas inadiáveis. Correr atrás de uma bola, ajeitar solenemente uma boneca, atirar-se na frente da tevê se deliciando com alguma aventura criativa ou fazer nada, absolutamente nada. Absortos, não gastamos energia à toa.
O que não desconfiamos é que as brincadeiras, as atividades lúdicas, o tempo gasto nesta ou naquela ação será importante ali na frente. A criança que desimpedidamente brinca, que sorri ou que sofre, se manterá naquele corpo que cresce e que se afasta dos tempos da infância.Numa palestra recente, o expositor Júlio Marques, psicólogo, disse que o adulto vai sufocando a criança que existe em si. A cada dia a criança vai morrendo um pouquinho. Indispensável, segundo ele, que esta criança sobreviva faceira, brincando, se divertindo ao longo da vida.
Problemas todos nós temos. Capacidade para superá-los também a temos. Porém, envolvidos em múltiplas atividades, em necessidades muitas criadas para satisfazer os outros, vamos tornando-nos mais soturnos, excessivamente sérios e compenetrados. Esquecemos o passado infantil, perdemos o talento para o sorriso franco, verdadeiro bálsamo que reduz o peso que carregamos nesta existência.
É inegável que hoje estamos metidos em circunstâncias que exigem mais seriedade. Não somos cabeças de vento, nem irresponsáveis a rir de tudo e de todos. Não devemos e nem podemos cair no extremo. A lei que não está escrita em lugar algum, que evita constrangimentos e muitas dores de cabeça, quase sempre opera milagres. O velho e conhecido bom senso faz a conexão entre as experiências que passaram, a vivência atual e o futuro em construção. Cada etapa tem uma importância específica. O passado é a escola. O presente é onde colocamos em prática o que conhecemos. O futuro é a colheita do que fizemos aqui. Mudar o passado não temos como. Projetar o futuro e construí-lo da melhor maneira, isto está ao nosso alcance. Se chegarmos até lá sorrindo, melhor para nós e para os que nos cercam.
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