“Quando eu era criança o cheiro de maçã verde era tão forte que tomava conta de toda a casa”, disse a jovem trabalhadora, lembrando, em seguida, que as maçãs de hoje não têm o mesmo cheiro das de então. Certamente não têm, disse, me intrometendo na conversa que mantinham os colegas de trabalho. Disse mais, abusando da atenção que me davam naquele breve instante, as coisas no passado não tinham só mais cheiro, tinham sabor e textura diferentes. E não foram só as coisas que mudaram. Mudamos nós.
E não é para menos. Com a passagem do tempo mudaram os produtos, a forma de produção, o processo de maturação e outras variáveis. Porém, a mudança maior ocorreu na menina. Quando tinha seus cinco, seis anos de idade, seus sentidos aguçados e atentos, percebiam com nitidez as nuances do perfume exalado pelas frutas, pelas flores. Os doces, os sorvetes, os picolés que ganhava do pai - comprados num armazém, num bolicho ou numa venda-, as iguarias que a mãe, a avó ou uma tia preparavam apresentavam, com certeza, um sabor especial, inigualável e irrecuperável.
Mudaram-se as receitas, muitas delas perdidas ao longo do tempo, mudaram as mãos que preparavam os quitutes com tanto cuidado, mudaram os ingredientes. A menina também mudou. Cresceu, passou por inúmeras experiências, começou a correr em função dos seus compromissos, deixando de lado um tempo que era só seu. Passou a prestar a atenção no tempo comum, no tempo dos outros e perdeu a sua percepção particular das pequenas coisas.
O interessante é que, passado o tempo, poucas vezes resgatamos os sabores, as texturas, as cores, as formas e as sensações que um dia tivemos. Os registros arquivados em algum lugar vão se perdendo. Um apagão vai se construindo imperceptivelmente na nossa mente. De maneira indelével as memórias vão sendo superadas por informações mais recentes, por ações mais prementes. Hermeticamente fechado, nosso cérebro pouca concessão nos permite. Somente relâmpagos de memória, segundos de ilusão. Quando, por vezes, nos encontramos frente a frente com uma possibilidade virtual de rememorar não encontramos correspondência e nos frustramos tanto quanto se frustra a jovem que vê a maçã verde e não a reconhece mais. A intensidade com a qual sentia o aroma era uma particularidade sua e não uma propriedade da fruta.
Acredito que, exatamente por isso, tenham prosperado tanto as festas que revivem os anos 70, 80 e 90 em todo o mundo. E olha que esta onda já tem mais de cinco anos. Convenhamos, nos tempos atuais, onde as coisas se tornam obsoletas em meses e em dias, meia década é um tempo e tanto. Nós estamos contribuindo da nossa maneira. Na noite do dia 27, no Studio 1030, no GESB, reuniremos nossos amigos na terceira edição da festa relembrando os Bons Tempos da Discoteca. Para tal estamos (eu e o Jerri) preparando um repertório significativo, com canções que marcaram os anos 70 e 80. É mais uma oportunidade de reviver na pista alguns dos bons momentos de nossas vidas. Bem, a festa não é só para os mais experientes. É aberta ao público em geral.
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