Sala de aula antiga |
Meu
avô era um homem rude. Viveu num tempo em que conforto existia
somente para os ricos. Iletrado, consumiu a vida nas lides mais
insalubres que se tinha na época. Enfrentava o frio e o calor na
pesca, na lavoura, cuidando de uma ou outra criação. Eram dias
difíceis. Tinha umas terrinhas. Mas, terra naquela época nem valor
tinha. Um eito dava para trocar por uma junta de boi, por um cavalo
magro, por uma carroça ou uma carreta.
As
escolas eram distantes. Os mais aplicados subiam no lombo de um
matungo e viajavam por entre matos seguindo trilhas e caminhos
precários, passando por sangas e riachos. Nos dias de intempérie ir
a aula estava fora de cogitação. Estudar era um luxo. Cresciam
conhecendo poucas letras, quando muito as que completavam o próprio
nome, e alguns números. Operações mais complexas ficavam para os
mais letrados.
Neste
contexto vivencial que une o século XIX com o XX, o pensamento, como
se sabe, era limitado. As comunicações eram precárias. O mundinho
era o quintal de casa. As novidades chegavam na venda do seu Manoel.
A ida vez por outra até a Vila, contribuía com o contato com os ventos que traziam um
limitado cheiro de civilização. Naqueles tempos, as novidades
andavam lentamente. Quando chegavam aos cantos mais distantes já
eram velhas.
Meu
avô criou os filhos para trabalhar. Estudar era desnecessário. Isso
era coisa para gente da cidade. As meninas, então, nada tinham a
ganhar. Tinham sim. Por certo gostariam de aprender a ler e escrever
com alguma exatidão. Aí poderiam mandar cartas de amor e o problema
estaria criado. Mais um problema entre tantos que apareciam
gratuitamente.
Meu
avô era um homem rude. Vivia num tempo em que trabalhar era a meta.
Era o jeito que se tinha para carregar a vida. Uma enxada, uma
picareta, uma pá, um facão, um machado, uma foice, meia dúzia de
utensílios simples, baratos e arcaicos e alguma disposição para
enfrentar o cansaço e as dores no corpo mantinham um homem vivo.
Viver era simples.
Não
posso dizer que, nestes tempos novos, onde criam-se coisas e mais
coisas para facilitar a vida enterrando os utensílios arcaicos, o
discurso de meu avô quanto à desnecessidade de buscar um
aprimoramento educacional seja uma tese válida. Não. Ninguém em
plena consciência poderá dizer que o desenvolvimento intelectual e
cultural seja algo desnecessário.
Eu
disse que ninguém em plena consciência pensaria algo assim nos dias
de hoje. Pois não é que tem gente que creia que isso é possível.
O presidente deste chão tem insistido nestas teses esdrúxulas.
Achei que esse homem fosse rude. Achei que ele fosse tosco. Creio que
é bem pior que isso. Já estou achando que é também muito mal
intencionado. Os seus discursos quanto à necessidade de se limitar a
educação a aprender a ler, escrever e fazer contas é ridículo. Se
o pacote de asneiras ficasse por aí já seria um crime. Ele foi mais
longe. Ainda conclamou os estrangeiros a virem fazer turismo sexual
com as mulheres brasileiras, isto porque estas terras não são de
gays. Não satisfeito, ainda, e pretendendo seguir sua caminhada
furiosa para levar o Brasil de volta para o Século XIX anunciou a
vontade de suprimir os cursos da área de Humanas. Claro que o
objetivo é atingir a Filosofia e a Sociologia. É evitar que se
pense. É evitar a diversidade de pensamento e ação. Ordem e
progresso. Sem gays, sem pensadores, sem pessoas politizadas. Uma
geração de gente que serve a um patrão. Sem leis de proteção
porque estas coisas atrapalham o capital.
Não
sei ao certo onde chegaremos. Mas, tenho certeza, o presidente e sua
turma ainda vão causar muito estrago. Ainda vão atormentar muito
nosso presente. Ainda vão comprometer boa parte de nosso futuro.
Meu
avô era rude. Iletrado. Não votaria no meu avô para presidente.
Não gostaria de ver suas teses vencedoras. Não gostaria de voltar
ao século XIX. Porém, mesmo não gostando estamos sendo levados até
lá. Enquanto isso, na Espanha e em Portugal os ventos são de que
existe futuro lá na frente. Tomara que esses ventos cheguem por
aqui. Tomara.
Muito bom meu caro!
ResponderExcluirObrigado, Jerri. Grande abraço!
ExcluirOportunos comentários. Acho que temos que ser pacientes, lutando com persistência e civilidade. Mais cedo ou mais tarde eles se enforcarão com a própria corda.
ResponderExcluirA receita é paciência. Porém, quem ainda tem?
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