09/05/2019

Intrigas palacianas


“Os piores inimigos são os que aplaudem sempre.”
Tácito, historiador romano.

Boa parte da história romana nos chega pela pena de Tácito. Sensível, estiloso, atento, o escritor esculpia a história misturando à prosa um pouco de poesia. Descrevia com presteza e atenção o cenário do poder. Naqueles tempos, como nos dias atuais, os bastidores decidiam. As tramas familiares, com assassinatos providenciais para limpar o campo do processo sucessório, as intrigas políticas, com as falsas acusações sobre os opositores que geravam falsos julgamentos com penas verdadeiras, presenteavam o reino com governantes ilegítimos. Chegava-se ao poder através do sangue e da articulação política. A adaga, a espada e a forca eram argumentos políticos dos mais utilizados.

O meio político era uma farsa. Roma viveu muitos períodos em uma espécie de simulação. A realidade era forjada através de boatos, falsidades, ilegalidades, negociatas e delírios. Neste meio prosperaram, por exemplo, Calígula ou Caio Júlio César Augusto Germânico, que para gerar um sucessor chegou a manter relações com suas três irmãs constrangendo todo o império que era frontalmente contra o incesto. Apesar de prosperar nos primeiros tempos de governo, após ser acometido por transtornos mentais, entregou-se desesperadamente à luta pela imortalidade. Foi o primeiro romano que se fez deus. Para tanto, ergueu monumentos de adoração.
Outro filho ilustre da política romana foi Nero ou Nero Cláudio César Augusto Germânico, implacável perseguidor dos cristãos, que chegou ao poder ainda na adolescência. Era filho adotivo de Cláudio, sucessor de Calígula e sobrinho deste. Seu governo foi retratado na história como recheado de mortes. Segundo se sabe, Nero chegou a mandar executar sua mãe e exterminar outros membros da família num devaneio comum entre os imperadores romanos que vivenciavam um ambiente de conspiração permanente e um clima de paranoia e delírio reincidentes.
Como a história não é narrada por uma única fonte, muito do que se sabe sobre a organização política romana vem recheada de exageros. Em regra, destacam-se os aspectos da loucura nos loucos, da devassidão nos devassos e da intolerância entre os intolerantes. As cores são vibrantes. O drama é quente. A narrativa tende à paixão. Aliás, o poder tende à paixão.
Tácito é história. Roma é história. Bastidores e intrigas fazem parte da história de algum modo enterrando qualquer objetividade, eis que os acertos e conchavos emprestam certo ar de novela, de romance, de drama e suspense à narrativa dos fatos que vão ficando cada vez mais ao longe.
Por certo, no futuro, não lembrarão de qualquer Tácito dos nossos dias. Os meios onde ficam gravados os acontecimentos de construção da história não são permanentes. Talvez não seja tarefa fácil escrever Annais como fez o historiador romano. Os meios hoje são virtuais. São nuvens que podem sumir como só as nuvens sabem fazer. A pretensão de escrever verdades históricas em contraponto ao mythos da literatura, que impulsionava os historiadores antigos, talvez se torne ainda mais inviável. As ações formais estão fora de moda. Pelo Twitter rebaixam-se os orçamentos da educação em 30%. Pelas redes sociais criam-se crises diariamente. Pelo mundo virtual as intrigas palacianas ganham vida.
No mundo dos fatos, onde as pessoas precisam de comida na mesa, de gasolina para o carro, de dinheiro para custear a escola dos filhos, de uma ideia positiva de futuro, de bons exemplos para seguir em frente ouve-se apenas o zum-zum-zum incessante gerado por postagens vexatórias de um seleto grupo que, diferentemente dos romanos, foi eleito pelo próprio povo. Há incendiários demais no reino. Intrigas, paranoias e suspense. Ninguém sequer imagina os efeitos da próxima postagem.

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