21/08/2019

Uma voz e um violão


Uma voz e um violão. Assim lembrava dela. Os cabelos eram cacheados. Longos. Jeito de menina. Moleca. “Olha a lua mansa se derramar (me leva amor)/ao luar descansa meu caminhar (amor)/meu olhar em festa se fez feliz (me leva amor)/lembrando a seresta que um dia eu fiz(por onde for quero ser seu par)”. Assim cantou uma noite numa das aulas de literatura. Andanças, de Paulinho Tapajós, Danilo Caymmi e Edmundo Souto, imortalizada por Beth Carvalho, que conheci num desses tantos trabalhos de grupo que se apresentavam na sala de aula.
Fazia tempos que não a via. Mentira: na verdade, a enxergava com frequência, mas sempre nas redes sociais, o que, convenhamos, às vezes é quase o mesmo que não ver. Enfim, encontrei minha querida colega de faculdade. “Trinta anos então”, pensei. Ela nem só pensou como disse. Magda pediu um café coado. A água quente passando pelo pequeno saquinho de tecido caindo aos poucos na xícara desperta uma certa magia. O cheiro de um só café enche o ambiente pequeno e acolhedor. Eu pedi uma água mineral. Com gás. O máximo da magia que consegui foi o som do gás fugindo quando a tampa foi desenroscada. Pouca coisa.

Estranho esta sensação de ver alguém depois de lapso temporal tão grande. Três décadas não são três dias diria um amigo meu que para tudo que acontece ao redor tem uma frase pronta, um clichê. A faculdade mudou. Muito. Os corredores nem ao menos são os mesmos. As pessoas que atuam ali também não são. Nós, da mesma forma, somos outros. Mais vividos. Mas, vivos.
Foram poucos os minutos ali enquanto o café era consumido. Onde anda? Como tá? Lembra disso, daquilo? E os dias de hoje? Ah, os dias de hoje são punks. Doidões como nunca se pensou. Loucos como nunca se planejou. “Às vezes é difícil escrever. Às vezes é difícil entender”. De todo o pouco que se falou, que se questionou, que se ouviu sobrou uma certeza: está cada vez mais difícil compartilhar um café e conversar sem atropelos, sem medo de expor ideias. As pessoas, em regra, impregnadas pelo espírito do embate das redes sociais, pouco sentem satisfação em ouvir.
Pensando nisso, lançamos no mês de março um suplemento no Jornal Bons Ventos chamado Mundo das Ideias. O nome é pretensioso. Mas, a intenção sempre foi uma só: criar um espaço para a geração de conteúdo que possa ser digerido numa cafeteria ou mesmo na boca de um fogão nestes dias frios que insistem em gelar os corpos dos que aqui vivem. Tem agradado. Magda Altafini, psicopedagoga, apreciadora de uma boa música e de um bom café, é uma das que contribuem com seus inspirados escritos. O poeta Delalves Costa também é habitué. Jerri Almeida, Fabiano de Souza Marques fazem parte do time. Marcelo Alacarini, Marcelo Reis e a jornalista Gabriela Prestes já contribuíram. Outros aparecerão em breve. Nos próximos dias outra edição será lançada porque escrever é preciso.

Nenhum comentário:

Postar um comentário