Um
filme, uma música, uma pintura, uma obra de arte qualquer vai além
da câmera, das luzes, dos enquadramentos, da edição, da partitura,
do arranjo, do ritmo, ou da tela, dos pincéis e da moldura. O
expectador assiste a um filme não como se residisse ali alguma
falsidade, alguma interpretação. A história existe por si só. Ela
é viva. Ficção científica, comédia, drama. Não importa: há
verdade, dor, riso, sofrimento e tudo o quanto os personagens revelam
nos diálogos, nos atos e nos gestos.
Uma
pintura bucólica deixa de ser uma simples pintura quando
recepcionada por um olhar acolhedor e sincero. A tinta deixa ser
tinta. Ganha vida. Envolve e convence. Emociona se o sujeito assim
permitir. Envolvido, tocado pela história que o filme contém, pela
fluidez da música ou pela penetrante visão diante da paisagem, a
pessoa deixa de ser um expectador. Em regra, a emoção cria
condições para que o coadjuvante vire protagonista. Isto porque, na
arte, é a percepção do outro que valida a obra. Claro que a
escultura não vista ainda é escultura. Não perde sua essência.
Mas, ela só se completa diante do olhar atento e cúmplice do outro.
Diferentemente
do que ocorre na arte, no caso da arte da vida humana não é olhar o
outro, como se acredita neste momento histórico, que vai completar a
obra. O julgamento do outro é detalhe. Significativo, às vezes. De
somenos importância, na maioria dos casos. O olhar revelador, na
verdade, é o do próprio indivíduo sobre si mesmo. E, esse olhar,
em muitos casos é despido da naturalidade necessária para que o ser
tenha uma ideia mais exata sobre o seu próprio caminho e sobre suas
potencialidades.
Não faz muito, o que fugia ao padrão do aceitável era mantido escondido. Um ser que não fosse "normal" era afastado do olhar dos outros. Era uma vergonha para a família manter alguém que "não deu certo", que não preencheu os requisitos do padrão vigente. Uma limitação física qualquer era uma humilhação.
Muitos viam nisso uma manifestação do criador. Uma ira da
divindade. A família que recebia um ser “incompleto”,
“defeituoso” carregava uma maldição, uma dor que não
necessariamente precisava ser compartilhada. Havia algum demérito
nisso. E o orgulho e a vaidade reinantes então não permitiam que a
família validasse a existência do individuo.
Temia-se
o julgamento. Temia-se o olhar do outro. Temia-se a reprovação.
É
certo que em alguns locais, ainda desprovidos dos ventos que limpam
as mentes e de alguma energia luminosa que torne a realidade mais clara, ainda impera o medo e ignorância. Porém, nosso mundo caminha para a aceitação das diferenças.
Chegará
o dia em que o homem reconhecerá em si a própria obra de arte.
Deixará de olhar para o outro com a sisudez do julgamento. Usará
sua experiência para caminhar com mais segurança. Talvez demore
algum tempo. Bem mais que anos. Bem mais que décadas. Talvez
séculos. Chegará o dia. Isso é certo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário