Fabiano de Souza Marques
Publicado originalmente no Suplemento Mundo das Ideias, do Jornal Bons Bentos, agosto/2019
Ano
de 1983. Noite iluminada pela lua cheia. Boa para caminhar na estrada
que se alongava entre matos e árvores distantes. Colocavam os pés
na estrada de chão batido algumas pessoas. Caminhavam por essa
estrada um menino com mais ou menos dez anos de idade e três amigos
que eram moradores fixos daquele lugar. Para o menino, aquele era um
lugar encantado. Caminhavam rápido, pois já se passava das 10
horas. Era noite e lugar de criança é em casa aquelas horas: os
mais velhos diziam para as crianças naquela época. A estrada de
chão batido levava até a casa lá em cima do monte, onde moravam
seus avós. Era uma estrada única que fazia volta em um morro, onde
o “Galo cantava cedo’. Caracterizava-se por ter nela algumas
pedras de rolagem (pedras de rio). Naquela noite quase não tinha
vento. A Oeste do lugarejo fica um morro oponente.
Em seu cume uma rocha branca (conhecida como pedra branca). Parecia que era o testemunho dos moradores que lá habitavam. A estrada costeava a lagoa com sua ilha e casas humildes que abrigavam moradores do vale. Poucos moradores residiam ali, descendentes, na sua maioria, de africanos, açorianos, guaranis, local de influência da religião católica cristã. Perto da casa dos avós havia uma Igreja, pequena, que era o centro social muito frequentado pelos moradores. Naquela noite os meninos saíram correndo da missa para casa dos avós. E um dos meninos, o mais velho, beirando catorze anos disse:
Em seu cume uma rocha branca (conhecida como pedra branca). Parecia que era o testemunho dos moradores que lá habitavam. A estrada costeava a lagoa com sua ilha e casas humildes que abrigavam moradores do vale. Poucos moradores residiam ali, descendentes, na sua maioria, de africanos, açorianos, guaranis, local de influência da religião católica cristã. Perto da casa dos avós havia uma Igreja, pequena, que era o centro social muito frequentado pelos moradores. Naquela noite os meninos saíram correndo da missa para casa dos avós. E um dos meninos, o mais velho, beirando catorze anos disse:
-
João, chega aqui ligeiro! Olha lá para o céu, atrás daqueles
clarões!
-
Oh
meu Deus!
Respondeu o outro menino um pouco franzino e apavorado pela imagem
que todos viam.
-
Só
pode ser um milagre de Fátima! Retrucou
com a voz áspera o João (o mais velho dos amigos).
-
Corre, busca a Bíblia para lermos sobre o milagre de Fátima! Sei
que lá na Bíblia fala sobre as três crianças que observavam uma
nuvem e logo após um clarão apareceu, refletindo a imagem e nossa
senhora de Fátima que revelou três segredos a elas. E aqui está
ocorrendo igual! Continuou
a falar o mais experiente deles.
E
o menino que não era morador dali e que estava visitando seus avós,
disse espontaneamente:
-
Gente, calma! Aqueles clarões lá no céu são relâmpagos atrás
das nuvens. E lá onde está acontecendo isso, fica a praia. Sempre
chove forte nessa época!
Pois, o menino era morador de Capão da Canoa.
-
Fica
quieto!
Retrucou o mais velho. Tu não sabes o que fala.
Trago
essa narrativa, pois eu morava na praia de Capão da Canoa. Aos
finais de semana visitava os parentes (tios e avós) na encosta da
Serra, no distrito de Prainha, em Maquiné. Essa cena orbita a minha
mente até hoje. É um exemplo da minha inclinação e interesse
pelas coisas que ocorrem na natureza. É importante dizer que o lugar
se faz de pessoas. No meu caso, as pessoas que pude conhecer, hoje
estão em minha memória e são frutos da minha experiência. Essas
lembranças trago até hoje. Um local pequeno, mas que ainda está
configurando-se para quem ficou e para quem só passou por lá. Não
somente por um determinismo geográfico. Acredito que a vida se
configura em um arcabouço de vários eventos que nos formam, como os
sociais, econômicos e ambientais. Entre a razão do evento natural e
das crenças que envolvem uma coletividade em determinado momento da
existência. Não existe uma receita binária e pronta, são os mais
variados conjuntos de vivências que nos formam enquanto sujeitos e,
consequentemente, como sociedade.
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