02/09/2019

Amazônia em chamas: um dano irreparável à saúde do planeta

Andrea Borghetti - Antropóloga e Consultora em Antropologia e Meio Ambiente
Publicado originalmente no Suplemento Mundo das Ideias, no Jornal Bons Ventos, agosto/2019

Os acontecimentos na Amazônia assustam. Um dano irreparável à saúde do Planeta. Os políticos, instituições governamentais (ou não), os movimentos sociais se posicionam. E começa o velho jogo de “empurra-empurra”, um querendo culpabilizar o outro. Essa tática de autopromoção (ou denegrir a imagem do outro) às custas de grandes catástrofes é muito antiga. Já devia estar defasada. Em vez de olharem para o desastre com os olhos espirituais, continuam apenas na superfície rasa do mundo da ignorância.

Acontecimentos como estes deveriam ser vistos como uma oportunidade de nos voltarmos para dentro e discutir valores. Quanto vale uma árvore, quanto vale uma vida, quanto vale uma floresta inteira, quanto vale todo nosso ecossistema? O valor de uma catástrofe está em transcender a visão do problema para uma solução. É como no conceito do direito romano arcaico de “homo sacer” (homem sagrado). A partir de um episódio negativo, que seria como um delito contra a própria divindade; transformamos o mal em algo positivo. Que possamos com esse episódio crescer, amadurecer e estabelecer políticas públicas, ambientais, governamentais, fiscais, leis e redes adequadas e eficazes para a proteção e cuidado com a floresta.
Na Gênesis, Deus deu ao homem a Terra e tudo que há nela para governar, para lhe servir de sustento e zelar por ela. A Amazônia é de responsabilidade de todos. Cuidá-la vai desde atitudes simples como não joga papel no chão, separar e descartar corretamente o lixo, diminuir o consumo de industrializados, carne, plástico, não desperdiçar água etc. E não só ficar levantando bandeira disso ou daquilo, contra este ou aquele enquanto a floresta queima, e o caos se instaura.
Para o Guarani, o mundo que vivemos está fadado a acabar. Em sua mitologia falam sobre o Grande Dilúvio que acabou com a primeira Terra. Deus, Nhanderú, Nosso-Pai criou a Terra e o Homem para nela habitar. Mas o Homem foi ganancioso, não cuidou do que era seu de direito e perdeu tudo que tinha. O segundo mundo, a Terra Nova (este que vivemos hoje), está prestes a acabar. Dessa vez pelo poder de uma simples caneta. Enquanto o juruá (não-índio), homem branco, continua perdido num mundo de papel, leis e dinheiro; os Guarani cantam e dançam dentro da Opy, Casa de Reza para que o mundo continue no lugar.
Nos aproximamos da época do Nhemongaraí. Época de selecionar, benzer e plantar as sementes para a próxima colheita. É durante as festividades do Nhemongaraí que ocorre o batismo e nominação das crianças. O Karaí (ou Cunhã-Karaí), ancião liderança espiritual de uma aldeia recebe em oração por inspiração divina as direções dos nomes que as crianças terão. A escolha dos nomes é um momento crucial da vida de um Mbyá pois junto com o nome (que são num total de nove nomes, cinco para homens e 4 para mulheres) a criança guarani herda todo um conjunto de características, humores e determinações envolvidas associadas a este nome e carregará este fardo por toda vida. Cada vez que o nome da criança é chamado, são reforçadas todas estas características do seu nome. Tal é a responsabilidade do Karaí que se um nome não está de acordo com a direção da qual o espírito dessa criança provém no mapa celeste, ela será uma criança inquieta, chorona e doente.
Também a época do Nhemongaraí é para os adultos uma oportunidade de rever sua conduta e através dessa análise, aperfeiçoar sua “adultidade”. Essa busca do Guarani por se tornar uma pessoa melhor é a senda de uma vida inteira. Que possamos diante dessa imensurável catástrofe olhar para dentro de nós mesmos, nos questionarmos sobre nossos valores e os valores que estamos passando para nossas crianças, e com isso, aperfeiçoar nossa “adultidade” e nos tornarmos pessoas melhores.

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