Publicado originalmente no Suplemento Mundo das Ideias, no Jornal Bons Ventos, agosto/2019
Os acontecimentos na Amazônia assustam. Um dano irreparável à saúde do Planeta. Os políticos, instituições governamentais (ou não), os movimentos sociais se posicionam. E começa o velho jogo de “empurra-empurra”, um querendo culpabilizar o outro. Essa tática de autopromoção (ou denegrir a imagem do outro) às custas de grandes catástrofes é muito antiga. Já devia estar defasada. Em vez de olharem para o desastre com os olhos espirituais, continuam apenas na superfície rasa do mundo da ignorância.
Acontecimentos como estes
deveriam ser vistos como uma oportunidade de nos voltarmos para
dentro e discutir valores. Quanto vale uma árvore, quanto vale uma
vida, quanto vale uma floresta inteira, quanto vale todo nosso
ecossistema? O valor de uma catástrofe está em transcender a visão
do problema para uma solução. É como no conceito do direito romano
arcaico de “homo sacer” (homem sagrado). A partir de um episódio
negativo, que seria como um delito contra a própria divindade;
transformamos o mal em algo positivo. Que possamos com esse episódio
crescer, amadurecer e estabelecer políticas públicas, ambientais,
governamentais, fiscais, leis e redes adequadas e eficazes para a
proteção e cuidado com a floresta.
Na Gênesis, Deus deu ao homem a
Terra e tudo que há nela para governar, para lhe servir de sustento
e zelar por ela. A Amazônia é de responsabilidade de todos.
Cuidá-la vai desde atitudes simples como não joga papel no chão,
separar e descartar corretamente o lixo, diminuir o consumo de
industrializados, carne, plástico, não desperdiçar água etc. E
não só ficar levantando bandeira disso ou daquilo, contra este ou
aquele enquanto a floresta queima, e o caos se instaura.
Para o Guarani, o mundo que
vivemos está fadado a acabar. Em sua mitologia falam sobre o Grande
Dilúvio que acabou com a primeira Terra. Deus, Nhanderú, Nosso-Pai
criou a Terra e o Homem para nela habitar. Mas o Homem foi
ganancioso, não cuidou do que era seu de direito e perdeu tudo que
tinha. O segundo mundo, a Terra Nova (este que vivemos hoje), está
prestes a acabar. Dessa vez pelo poder de uma simples caneta.
Enquanto o juruá (não-índio), homem branco, continua perdido num
mundo de papel, leis e dinheiro; os Guarani cantam e dançam dentro
da Opy, Casa de Reza para que o mundo continue no lugar.
Nos aproximamos da época do
Nhemongaraí. Época de selecionar, benzer e plantar as sementes para
a próxima colheita. É durante as festividades do Nhemongaraí que
ocorre o batismo e nominação das crianças. O Karaí (ou
Cunhã-Karaí), ancião liderança espiritual de uma aldeia recebe em
oração por inspiração divina as direções dos nomes que as
crianças terão. A escolha dos nomes é um momento crucial da vida
de um Mbyá pois junto com o nome (que são num total de nove nomes,
cinco para homens e 4 para mulheres) a criança guarani herda todo um
conjunto de características, humores e determinações envolvidas
associadas a este nome e carregará este fardo por toda vida. Cada
vez que o nome da criança é chamado, são reforçadas todas estas
características do seu nome. Tal é a responsabilidade do Karaí que
se um nome não está de acordo com a direção da qual o espírito
dessa criança provém no mapa celeste, ela será uma criança
inquieta, chorona e doente.
Também a época do Nhemongaraí
é para os adultos uma oportunidade de rever sua conduta e através
dessa análise, aperfeiçoar sua “adultidade”. Essa busca do
Guarani por se tornar uma pessoa melhor é a senda de uma vida
inteira. Que possamos diante dessa imensurável catástrofe olhar
para dentro de nós mesmos, nos questionarmos sobre nossos valores e
os valores que estamos passando para nossas crianças, e com isso,
aperfeiçoar nossa “adultidade” e nos tornarmos pessoas melhores.
Nenhum comentário:
Postar um comentário