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Os últimos dias têm sido
implacáveis em termos de temperatura. Os
termômetros despencaram. De um improvável veranico de julho fomos jogados num
inverno rigoroso, daqueles com direito a chuva, vento e neve no noticiário da
tevê. De camisetas e bermudas a blusões
pesados, casacos e toda a parafernália que se encontrava guardada nos roupeiros
de quem tem.
Na
fruteira, um vento gelado entrava quase sem respeito pela porta da frente
entreaberta. Os viventes encasacados, que aguardavam a hora de pesar suas
cenouras, beterrabas, chuchus, aipins e batatas doces, encolhiam-se a cada
lufada mais forte. Alguém disse que saiu
desprevenido. Dentro de casa é
quentinho. Saiu pela garagem. Dentro do carro também não sentiu muito bem a
temperatura ambiente. Achou que não era
tão frio. Quando o nariz encarou o ar gelado, o arrependimento tomou conta do
indivíduo. Havia colocado pouca roupa para o tamanho do frio que se apresentava.
Um
gaiato, de touca, cachecol, luvas e casaco por cima de uma série interminável de
básicas e blusas, brincava que estava aguardando o frio finalmente chegar.
Outro lembrava que o frio não fazia bem. Gostava mesmo de uma camiseta destas
sem marca nem muita frescura, uma bermuda e chinelos havaianas. Um boné para cobrir
o que restava ainda de cabelos e pouca coisa mais.
Nestes
papos de dias frios sempre aparece alguém que adora uma friaca. Vira e mexe e o
principal argumento é a beleza das vestimentas que o frio permite. Ou as
variações gastronômicas possíveis. As sopas, os capeletis e as variadas massas
acompanhadas de vinhos e outros que tais. Não há porque negar que os dias mais
frios apresentam certo apelo pela comilança mais forte e mesmo por favorecer
aqueles que têm condições de desfilar com casacões, botas e variados apetrechos
que, se bem usados e combinados, podem mesmo revestir até os mais feios com
algum ar de elegância.
Nos
tempos de piá, nada disso era levado em conta. A gurizada não queria elegância.
O amontoado de roupas era um adversário quase invencível. Nas peladas do
campinho, qualquer canelada tirava o guerreiro do combate. O vento entrava
pelos abrigos finos e gelavam os ossos.
Mas, ninguém desistia por causa de um friozinho desses. As mãos
avermelhavam-se de frio. Os dedos pareciam que iriam cair. Esfregavam-se as
mãos e corria-se muito. Não tinha como jogar parado. Jogador elegante, desses
técnicos que davam toquinho para fazer jogo correr sem muito suar, morreria de
frio. Aliás, não passava frio porque não
saia de casa. A mãe não deixava.
Nem
sei ao certo como sobrevivíamos ao frio intenso naquelas diminutas tardes de
futebol. Era um fenômeno. Muita fome de bola. Ganhávamos do frio na corrida.
Insistência pura. Não havia tempo para covardia. Depois de uma ou duas
partidas, vez por outra um fio de suor corria por baixo daquele monte de
roupas. Era o frio sendo vencido naquelas geladas tardes de inverno. O
resultado do jogo importava muito pouco. O importante erra correr do frio,
espantá-lo dali. A bola corria sempre. Ela não podia parar. Corriam os meninos
atrás dela. Era a vida daqueles moleques naqueles tempos. Tempos frios, mas
vencíveis.
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