18/12/2019

Sei que nada sei


Sentado na calçada em frente de casa, embaixo de uma árvore antiga e de saúde mediana, escondendo-se do sol que rachava naquela hora, lembrou que o pai do seu pai tinha resposta para tudo. Era decidido o velho. Não deixava assertiva sem uma resposta. Seu pai, do mesmo jeito, cresceu tendo respostas. Parecia uma marca familiar. Todos tinham muitas certezas e raras dúvidas.
Eis que, buscando lá no fundo da caixinha das memórias, se viu ainda pequeno imitando o avô e o pai. Queria ter respostas para tudo o que causava estranheza no pequeno mundo recém percebido pelos seus olhos ainda tão jovens.

Cresceu assim. Já na adolescência cresceu em profusão o número de questões e de dúvidas. Explosão hormonal, alguém disse com autoridade. O certo é que as respostas foram rareando. E, o pior: as respostas que até então encontravam-se no setor das certezas foram, aos poucos, se desmantelando.
A vida mesmo foi se encarregando de mostrar que as respostas do avô e do pai não eram assim tão apropriadas para as questões que o afligiam. Parecia que havia um descompasso. Alguma coisa não fechava. O diálogo não fluía. E as certezas iam se distanciando aos poucos do mundo prático.
Até que certo professor, numa dessas aulas que os meninos sentem tédio e sono e vontade de fugir para tomar uma fresca no corredor ou, ainda, conversar com a colega nova, que é linda e sabe disso, falou com alguma exatidão sobre a mania de um velho filósofo em não responder as perguntas. Usava ele, segundo consta, a dinâmica de responder com uma outra pergunta propondo um trabalho de construção, de descoberta e de busca.
Era Sócrates quem o professor apresentava. Só sei que nada sei. E, de algum modo, enterraram-se as certezas do pai do pai e do próprio pai. E suas certezas, as poucas que ainda permaneciam naquela cabeça jovem e inquieta, também voaram. Foram para o beleléu. Ganharam asas e, se um dia retornarem, aparecerão com outra vestimenta: a do questionamento.
Com o tempo a vida ganhou outro sentido. As perguntas viraram a essência. A certeza foi para o espaço. E o Universo, sábio que ele só, começou a se manifestar, a responder do seu jeito, enviando sinais, surpreendendo aqui e ali sem muito esforço e suor. A mente racional entrou em férias. Relaxou. E a inspiração tomou conta. E a vida ganhou mais vida e mais forma.
Num sonho, ali pelas 04h44min da madrugada, o Universo grandioso e tranquilo se manifestou com serenidade e alguma doçura: “Isso faz algum sentido para ti?”.

2 comentários:

  1. Reflexão apropriada para um tempo onde certas mediocridades de certeza, baseadas na estreiteza da simplificação ganham notoriedade, ainda que temporárias, mas que influem negativamente na sociedade.

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    1. Grande Alacarini: o tema é realmente instigante, especialmente nestes tempos rasos. Abraços.

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