A noite fria recém estava começando. Na tevê, o Datena esbravejava, como sempre. Tinha nas mãos mais um caso macabro. A mulher, uma trintona, havia ordenado a morte do companheiro, um septuagenário endinheirado. Queria ficar com trinta mil e mais alguns pertences. Pagou oitenta reais para dois malucos fazerem o serviço. E eles toparam. A câmera focava a foto da mulher, voltava para o apresentador gritão, mostrava o delegado, que se vangloriava do trabalho da investigação, freneticamente cortava para os dois matadores saindo do camburão.
Desgraça pouca é bobagem. A equipe de reportagem mostrava até o flagrante do encontro do corpo do homem. Peritos com providenciais luvas cirúrgicas afastavam o mato para receber mais um corpo vilipendiado. Sistematicamente abriam espaço para que a imagem pudesse ser captada e bem enquadrada na tevê. Música irritante de fundo, impropérios em direção à mulher. Embaixo da tela, numa barra rolante, os atentos telespectadores de todo o país disparavam torpedos contendo seus conceitos raivosos: “prisão perpétua”, “pena de morte”. Vagabunda, repetia o âncora do programa. “Mostra na tela a safada”.