Fenômeno (arte sobre foto) |
Dono de uma arrancada inconfundível, Ronaldo jamais pediu licença para defensores. As tevês cansaram de mostrar, nesta semana, o atleta na sua melhor forma bufando, partindo para cima da zagueirada adversária, jogando a bola na frente e atropelando aqueles que encontravam-se na sua frente. Imagens de um passado brilhante. Juntando força e sutileza na medida certa, vencidos os zagueiros, bastava uma ginga para derrubar o goleiro e empurrar mansamente a bola para as redes.
Cansado, triste, confessa que hoje não encontra forças nem para subir as escadas de sua casa. “Perdi para meu corpo”, concluiu com simplicidade, revelando que as dores derrotaram o homem, retirando-lhe o ímpeto, a força e até mesmo a vontade de vencer mais um dos tantos desafios de sua carreira. A muralha humana que desafiava defensores brutamontes, que trombava e ganhava duelos, sucumbiu. O tempo é implacável. As exigências das competições de alto nível não toleraram nem mesmo o Fenômeno.
Uma de suas revelações, que certamente atiçaram em muitos o remorso, foi de que sofreu calado durante quatro anos de um distúrbio chamado hipotiroidismo, que reduz a atividade metabólica. Ou seja, a “gordura” de Nazário não era resultado de desregramentos alimentares, de consumo exagerado de álcool ou de qualquer outra natureza. Ronaldo sofria duplamente. Perdia para seu organismo e ainda era submetido às chacotas em rede nacional.
Agora, passado o turbilhão de revelações, tem sido fácil entender Ronaldo Fenômeno. Apesar dos problemas, preferiu tocar sua vida a seu modo mesmo diante das dificuldades, sem vitimização, sem recorrer ao drama pessoal. Sem expor suas dores. Tentou enfrentar a situação da sua forma. Mas, desta vez não deu!
O corpo humano é frágil. Os atletas, muito embora às vezes pareçam, não são máquinas. Submetidos a treinamentos estafantes, buscam superar os limites. Vencem. Ganham o jogo por um tempo. No entanto, chega o momento em que a carga torna-se pesada demais. Aí é o momento de parar.
Ronaldo Nazário ao sair pede desculpas. Não deveria. Mesmo que a nação corintiana tenha sofrido pelo fracasso na Libertadores, mesmo que não tenha tido condições de atuar como antes, o ex-jogador, humilde como um principiante, não deve desculpas. Na verdade, o mundo da bola é quem deve render-lhe homenagens. Não pela sua vida privada, cheia de reveses, de crises, mas sim pelo que fez pelo futebol. Ronaldo conseguiu em campo unir a força e a manha, a arrancada e a beleza plástica de um improvável toquinho de bico. Poucos souberam juntar coisas tão distintas num tão conjunto harmônico.
Vi Ronaldo jogando ao vivo apenas uma vez. Foi no Beira-Rio, em um jogo amistoso contra a Argentina. Era 07 de setembro de 1999. Havia dado o ingresso de presente de aniversário para o Marcelo, meu filho. Na arquibancada pouco mais de 63 mil privilegiados. No Campo, Brasil 4 a 2. Rivaldo fez três gols e Ronaldo um. Sabia que era um dia diferente. Imperdível. No campo encontrava-se o Fenômeno. E isso representava muito mais do que o valor do ingresso.
Ele deixará saudades. Suas arrancadas e trombadas com os zagueiros ficarão na memória popular mundial. O corpo pediu descanso.
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