E durante toda a noite, os casais rodopiarão
pelo salão apinhado |
Quando
raramente alguém morre por ali, a vila toda se compadece. E todos
choram ao redor do caixão e abraçam os familiares com verdadeiro
pesar. Lembram passagens de glória do morto e dos tempos em que era
um indivíduo cheio de virtudes. Alguns lançam aos céus sua
inconformidade. Questionam Deus que o levou. E há os ajudam nas
lides dos atos fúnebres. Alguns se encarregam de avisar os parentes
que moram mais longe. As tias mais velhas invadem a cozinha. Fazem
café forte para enfrentar a noite. Algumas trazem biscoitos feitos
no dia anterior. E sempre haverá alguém que fornecerá mel, salame
e queijo colonial. Os donos de casa perdem a direção do lar. Devem
se ocupar tão somente de viver a tristeza da perda. É para isto que
estão ali. E todos vão contribuir para que isto aconteça.
Após
as rezas e os choros, o caixão é coberto de terra por dois sérios
coveiros. Acostumados a levar à cova velhos e moços, mantém o
olhar respeitoso e lançam lentamente pás de areia sobre o caixão,
contribuindo assim para alongar o triste ritual. Depois, todos voltam
para suas casas com ar de tristeza. As tias na alma levam o
sentimento de que tudo fizeram para agradar aos vivos e ao morto.
No
baile anual da comunidade, os preparativos começam antes. Os homens
da comissão central cuidam da cerveja e dos refrigerantes. O salão
foi limpo. A pista encerada para que os pares deslizem sem qualquer
problema. Prepararam o troco para evitar o aperto. As mulheres, por
sua vez, trabalham a massa do pastel e cozinham a carne. Dona
Maricota diz que a massa deve ter algumas colheres de cachaça. E
todas concordam. As cucas e as linguiças já estão prontas.
Seu
Manuel, homem de pouco riso, tem uma função em toda aquela
preparação. É o fogueteiro oficial da festa. Quando tudo estiver
pronto e os primeiros casais começarem a aparecer na frente do salão
comunitário, enfatiotado como sempre, Seu Manuel acenderá o
primeiro foguete. E depois lançará outros rojões. Quem o vê assim
não o reconhece. Sua alma parece de uma criança risonha brincando
com o presente recém-recebido do papai. O barulho vai alertar a
todos. Está na hora da festa começar. E durante toda a noite, os
casais rodopiarão pelo salão apinhado, atingindo sem maldade outros
dançarinos com cotoveladas e pisões nos pés.
E
os rapazes mais novos olharão com satisfação as meninas de trança,
metidas em seus vestidos de festa que destacam os seios juvenis. E as
seguirão para lá e para cá num doce ritual de sedução. Sonham
colar seus rostos nos rostinhos alegres das meninas e apertar seus
corpos e beijar seus lábios.
E
muitos outros gastarão seu tempo cuidando os passos dos outros.
Ficarão de olho se a velha viúva dançará alguma marca com Seu
Manuel, o fogueteiro. Ele tinha dito durante a semana no bar que,
finalmente, a convidaria para uma dança. E as tias seguem Seu Manoel
a cada passo. Torcem e fazem apostas. Riem sem medo e se acotovelam
quando notam qualquer movimento suspeito.
Mas
não só o fogueteiro recebe os atentos olhares. Também o único
professor do lugar, Aníbal, que já chegou há tempos e ainda não
constituiu família, merece toda a atenção da comunidade. Alguns
dizem que sofreu grande desilusão amoroso e por isso se enterrou
naquele lugar. Apesar do respeito que goza no meio, não faltam
comentários maliciosos sobre a solteirice do professor.
Os
festejos vão até o amanhecer. E os homens voltam para a casa
trôpegos e as mulheres satisfeitas. A velha viúva tristemente se
recolhe sem ao menos uma marca ter dançado.
No
meio da manhã, todos se encontrarão na igreja. A viúva já não
mostrará a tristeza de antes. O fogueteiro não parecerá o menino
de ontem. E todos rezarão com desmedido fervor. Cantarão os hinos e
farão o sinal da cruz. Lavarão suas almas pedindo perdão pelos
excessos cometidos na noite anterior. Sairão dali com a certeza de
que o sacerdote vai perdoá-los. Aliviados, guardam no peito o
sentimento de que na próxima festa, apesar dos pecados cometidos,
garantirão novamente uma pequena fortuna para a ampliação da Casa
de Deus.
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