11/03/2020

O Caminho da Gratidão

Gostaria de lembrar onde li para dar o devido crédito. Mas, sinceramente, por mais que me esforce, não consigo. Assim, opto pela geração de dívidas: com o autor e com o leitor, este último por ter ficado com uma informação incompleta. O que importa é que disse esse alguém que o universo só é interessante porque eu existo. Alto lá os apressados que leram a sentença anterior como uma homenagem ao ego do cronista. Nada disso. Explico.
Por vezes pode ocorrer (e ocorre com um sem número de humanos) a sensação de que somos pequenos demais, podemos pouco ou quase nada, avançamos pouco ou quase nada no processo existencial. Esforço sem progresso. A impressão, para muitos, é de que passamos por aqui como um caminhante numa esteira elétrica. Caminhada sem avanço. Tudo pode ser verdade. Tudo pode ser sentido. E, construída esta verdade na mente, ela ganha vida e vai ditando ordens ao longo dos tempos.
No entanto, se a perspectiva partir da existência humana e não da grandiosidade do universo, da complexidade em se transpor obstáculos (existentes ou criados pela mente), a construção poderá ser bem outra. Senão vejamos: consideramos que eu não exista. Ou melhor, consideramos que você não exista. Não que tenha morrido. Não que tenha deixado a existência física. Nada disso: vamos pensar na não-existência. Coisa simples. Vácuo total. Ausência do ser. O indivíduo incriado. Difícil pensar assim, não é verdade?
Pois, este tipo de pensamento anulatório da existência de algum modo suprime o ego. O ser não existe, logo não há porque existir mecanismo de identificação do indivíduo. O ego foi descartado. Foi para o espaço. Ou nem isso. 
O certo é que se o indivíduo não existe, logo nada mais faz sentido. Que o sol brilhe com admirável insistência. Que os pássaros concatenem seu alarido às seis horas em ponto anunciando a claridade e a beleza da vida. Que a lua protagonize espetáculos quando vez por outra vira super e deslumbra pelo brilho e vivacidade, levando ciclista à beira da Lagoa do Marcelino para fazer selfies.  Grandes coisas. Pouca coisa. Se o indivíduo não existe logo o brilho do sol não faz diferença e o canto dos pássaros, o brilho da lua nem especiais seriam. As leis da Física que explicam isso e aquilo e da Quântica que abrem milhões de possibilidades, dando mais vida às perguntas que às respostas, de certo modo também não terão nenhum sentido porque não há a matéria do indivíduo para ser analisada, explicada e nem mesmo seu olhar para incidir sobre o outro.       
Assim sendo, talvez a grande questão seja tão somente existir. Simples assim. Encontrar-se aqui, com ou sem brilho, protagonizando ou coadjuvando, caminhando ou estático. A simples existência do indivíduo parece ser capaz de abrir um leque de possibilidades inimaginável. Talvez por isso que os sábios antigos espalharam pelo nosso planeta o sentimento de gratidão. Hoje esse mantra vem sendo repetido à exaustão, o que, vez por outra, gera algum embate com aqueles que não encontram muito sentido em ser grato pelas dificuldades que se apresentam no dia a dia. É uma questão do ponto de vista. Talvez a não-existência seja algo imensamente pior. 
Gratidão!

7 comentários:

  1. Ótimo texto, Solano. Reflexão nova para mim. Obrigado.

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  2. Bela filosofia. Busca do saber. Mais um campo a buscar o conhecimento, a reflexão... Obrigado mano Solano.

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  3. Existencialismo....a crise que acompanha a humanidade... achar um motivo, um deus, um símbolo que de significado... somos seres sociais, em busca de um sentido de existência.Muito boa reflexão .. Solano.

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