Com 10 ou
11 anos queria ser jogador de futebol. Sonhava até em vestir a
camiseta da Seleção Brasileira. Disputar uma Copa do Mundo estava
nos planos. Era um menino sonhador como são todos os meninos.
Rivellino, com sua patada certeira e seu bigodão, cabelos longos e
uma canhota de derrubar os adversários, saia dos jogos em preto e
branco da Copa da Alemanha para os campinhos de pouca grama e muita
areia. Todos queriam ser Rivelino, mesmo que a interpretação fosse
pífia. No meu caso, faltava intimidade com o pé esquerdo e a
penugem que ameaçava aparecer ainda não poderia ser chamada de
bigode.
Havia
outros quase tão bons quanto ele: Beckembauer, Müller,
Cruyff e Neeskens.
Mas eu, quando perdia a alcunha de Rivellino, optava sempre por Lato,
um polonês, com poucos cabelos, mas dono de pernas ágeis e velozes
e, além disso, de raro faro de gol. Em síntese, o atacante tinha
tudo o quanto me faltava nas lides futebolísticas.
Já na
adolescência, quando os anos 70 se encaminhavam para o final, mudei
radicalmente de preferência. Ao invés do bigodão de Rivellino ou
da calvície que se avizinhava em Lato, meu espelho apontava noutra
direção. Queria ser Peter Frampton. Sim, senhoras e senhores!
Confesso abestalhado que, no meu íntimo, desejava ser nada mais nada
menos do que o astro do rock da época. Sonhava em ter um cabelo
comprido, desalinhado, rebelde. Pensava até em usar uma camisa
colorida, quiçá aberta no peito, combinando com calça jeans e
tênis. Mostraria, assim, todo o vigor da idade. E, de quebra, ainda
empunharia uma guitarra que falasse por mim, como falava a do Peter.
Como mera consequência, transitaria por aí como um simples imortal
sendo reverenciado por tantos quantos curtissem um bom som.
Tinha
um problema. Aliás, meus sonhos de guri, em regra, apresentavam
inúmeros problemas. Era um tímido. Mal conseguia abrir a boca para
dizer “presente” na hora da chamada no colégio. E, isto,
convenhamos era um obstáculo gigantesco para o astro que pretendia
ser. Ademais minha configuração capilar impedia que as madeixas
crescessem como naturalmente cresciam os cabelos dos roqueiros da
época. Por mais que tentasse, os fios se dirigiam perigosamente às
alturas, formando uma cachopa. Nem a força da gravidade, nem minha
vontade apresentavam a força suficiente para jogá-los para baixo. E
era para baixo que se dirigiam os cabelos rebeldes dos roqueiros de
então.
Nos
momentos de maior perplexidade, entendia que devia existir alguma
conspiração para que meu intento juvenil não se concretizasse.
Além do aspecto capilar, somava-se uma dose cavalar de desafinação.
Porém, nem tudo é desgraça nesta vida de sonhos, que se arrastava
muito mais para a mediocridade do dia a dia do que para a glória e a
consagração pretendidos. Houve um dia, um só dia, em que as coisas
pareciam que entrariam definitivamente nos trilhos.
Era uma
tarde de verão. Daquelas em que o sol parece planejar o derretimento
da Terra. Nunca tinha visto tanto calor por estes pagos. O
tradicional ventinho da orla havia feito feriado. O jeito foi ir à
praia. Solitário, encontrava-me em Tramandaí. A praia estava cheia.
Pobres, ricos e remediados usufruindo de raro momento de integração.
De sunga ou de calção, peito aberto no espaço, os meninos se
misturavam naquele raro instante. A vermelhidão era grande. Não
havia, ainda, a cultura da proteção da pele. O máximo era lambuzar
o corpo com um “bronzeador”, que conferia ao indivíduo um
aspecto graxoso.
Depois
de queimar os ombros e envermelhar o que estava exposto, cansado mas
alegre como convém a um menino de 16 anos, eis que chega a hora de
recolher o time de campo. Na rodoviária, passando em frente a um
grande espelho, notei que meus cabelos crescidos a mais da conta, com
a ação providencial do iodo e do sal, davam um aspecto diferente.
Ali, naqueles raros instantes, no fugidio reflexo, me senti o próprio
ídolo do rock. Uma estampa pronta para ser admirada. Aliás, foi o
mais perto que pude chegar daquela imagem.
Minutos
depois, entrando no velho, lotado e quente Unesul de sempre voltei à
realidade.
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