14/04/2016

A Queda

Faltava fôlego. As costas doíam, a respiração estava difícil. Os olhos avistaram por alguns instantes um negrume que lentamente foi sendo substituído por uma luz distante. Não conseguia mexer os braços e nem as pernas. Tentava chamar por socorro, mas não conseguia.  Pela garganta saia um leve gemido. Achei até que estava condenado a morrer ali. Naquela tarde, tinha sido vítima do Valão da Malária, perto do Clube José do Patrocínio. Havia caído de costas em cima de uma pedra pontiaguda. 
Era costume da molecada. Na ida para a escola, gastar um tempo passando pelas pontezinhas de concreto do Valão da Malária.  Era tranquilo. Eu mesmo era craque nisso.  Fazia todos os dias a mesma coisa. Saía de casa pelo menos uns 30 minutos antes de tocar a sirene da entrada na aula. Fazia o percurso em menos de 15 minutos. Então sempre sobrava um tempo para brincar sobre o valão. Na volta a situação era a mesma.
O valão era o escoadouro do esgoto pluvial da cidade. Cortava a Rua Barão do Triunfo de fora a fora. Havia sido canalizado. Tinha uma estrutura de concreto. Por algum motivo, longos espaços estavam a descoberto. Os meninos passavam correndo sem medo pelas pequenas pontes da estrutura. Era tranquilo. Sem estresse.
Porém, naquela tarde algo deu errado. Não sei se foi causado por  algum chuvisqueiro ou algo assim. Só sei que quando me dei conta estava caído de costas sobre uma pedra e quase sem reação, olhando envergonhado para cima e torcendo para que uma alma passasse por ali naquele momento. Fiquei uma eternidade esperando um resgate. Enquanto isso, um líquido fétido entrava pelo cangote e ia banhando meu corpo. 
Sentia raiva da minha incompetência. Tinha fracassado no radical esporte de correr sobre o Valão da Malária. Não poderia deixar aquela notícia se espalhar. Seria meu fim. Sepultaria de uma vez por todas a minha reputação.  
Em dado momento, um pouco recuperado, comecei a gemer baixinho. Tentava chamar a atenção de alguém. Um rapaz, que passava de bicicleta por ali, foi conferir o que havia dentro do valão. Acho até que sorri. “Que fazes aí, rapaz?”, perguntou meio de sacanagem. “Eu caí!”, respondi sem originalidade. Forte e lépido, pulou no valo sem cerimônia. Agarrou meu doído corpo pequeno de 12 anos e levou par cima. Fiquei uns minutos ainda me contorcendo de dor. Refeito, saí claudicante em direção à casa. Agradeci o jovem que montou e sua bicicleta e disparou atrasado para sentar alguns tijolos naquela tarde.
Senti medo de chegar em casa e encarar a mãe. Levaria uma bronca daquelas. Que sabe até não levaria umas palmadas ou uma havaianas certeiras. Talvez fosse melhor dizer que tinha sido empurrado por alguém. Não, talvez fosse melhor dizer a verdade. E foi o que fiz.  Não houve bronca. Aproveitei para mostrar o vermelhão causado pela pedra e contar do resgate espetacular que tinha acontecido naquela tarde. Mantive por bom tempo o gemido da dor. 
Um dia passou. Nos meses seguintes, nada de aventura. O Colégio Conceição era puxado. Faltar aulas não era boa ideia.  Um deslize daqueles poderia se tornar um verdadeiro desastre para o futuro.

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