Tarde da
noite, sentado à frente do computador, uma pequena palpitação no
coração aparece. Coisa muito sutil. Uma leve fisgada. Vou morrer,
pensei logo em seguida. Esperei alguns segundos, alguns minutos e
nada. Continuei escrevendo mais uma crônica, achando graça de minha
conclusão apressada. Ora, como poderia meu coração contrariar o
laudo do meu cardiologista?
Certo
que um dia morrerei. Disto não restam dúvidas. Aliás, esta é a
única certeza que nós, os humanos, podemos carregar na vida. O
nosso fim ocorrerá. E, fazendo leve exercício antecipatório,
posso até ver que, enquanto o corpo frio espera a hora do
desaparecimento por completo, familiares, amigos, conhecidos e
curiosos se aproximarão do caixão com indisfarçável compaixão. E
alguns olharão com pressa e outros com reverente atenção minha
imobilidade e analisarão minha brancura e notarão o quão
envelhecido estou.
Um que
outro, já do lado de fora da sala principal da capela mortuária,
encontrará um dos familiares e dirá com voz embargada e com tocante
honestidade: Deus quis assim! E outro, amigo de longa data, incapaz
de articular palavras criativas e consoladoras arriscará alguma
velha e surrada sentença que pouco será levada em conta naquela
hora.
Mas, o
pior ainda está por vir. Alguém, pouco afeto às questões da
transcendência, das vidas que se seguem e da imortalidade da alma
usará do artifício mais infantil e menos convincente e falará
maquinalmente, como se isto fosse natural, aceitável e possível:
Ele agora é uma estrela no céu.
Agora,
enquanto estou lépido e faceiro, me atrevo a fazer um alerta e
alguns pedidos, dirigidos especialmente àqueles que acompanharão os
atos de despedida (que acredito estejam muito distantes, ainda):
mesmo que o corpo esteja inerte e estendido, mesmo que reste somente
o frio, ainda estarei entre todos vocês e serei capaz de ouvir suas
histórias, suas sentenças e suas explicações. Claro que não
tentarei debater questões filosóficas, especialmente as mais
complexas, pois estarei extremamente atarefado me acostumando à nova
dimensão existencial (nem tão nova assim). O que, convenhamos será
uma pena. Prometo mesmo não censurá-los nem quando se retirarem do
recinto e contarem uma piada leve para descontrair o ambiente. Fiquem
à vontade!
Se os
atos forem realizados logo após mais uma rodada do Gauchão ou do
Campeonato Brasileiro, fiquem à vontade para discutir a
classificação da dupla Gre-Nal, suas chances de conquistas e as
possibilidades de algum título na Copa do Brasil ou na Libertadores.
Se tiverem vontade que xinguem os treinadores de seus times,
apontando a incompetência na manutenção deste ou daquele perna de
pau na defesa ou no meio de campo.
Garanto
que estarei por ali, ouvindo tudo em respeitoso silêncio. Mas,
informo de antemão ficarei constrangido se meus amigos repetirem
tudo aquilo que se diz nos enterros dos outros. Deus, me livre!
Convenhamos, se posso pedir algo, rogo para que usem a criatividade.
Não me deixem ouvindo coisas velhas e surradas. Que renovem o
estoque. Que, ao menos, valorizem aquele ato extremo. Sejam graciosos
nos comentários, evitem os trocadilhos, os bordões televisivos e as
frases feitas.
Se isso
não ocorrer... Bem, vou procurar por algo mais reconfortante no
ambiente. E, disfarçadamente, sem esparro chegarei perto daqueles
que de alguma maneira foram cúmplices nesta existência. E buscarei,
então, coisas boas e novas. E as coisas boas, com certeza, são
prioritárias nesta hora. Os deslizes vão sendo esquecidos porque o
morto merece uma homenagem.
Ouvindo
daqui e ouvindo dali (sem interferir nas conversas), vou me sentir
bem. E no meio dos colóquios verbalizados ou silenciosos, não
duvido que alguém, por algum momento, pense: como eram doces aquelas
ameixas!
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