26/01/2015

A história de Adão e Eva

Adão e Eva, de Lucas Cranach,
Muitas histórias vêm sendo repetidas ao longo dos tempos. E cada um que conta coloca seus sais, açúcares e as porções de pimenta que julga necessário. Com isso, as histórias vão tomando o gosto do contador, as tramas vão se modificando e a realidade vai se tornando outra bem distinta da original. Um caso ocorrido no passado nunca mais será exatamente aquilo que ocorreu. Com a história que vou rememorar ocorreu exatamente isso: contada de geração para geração foi sendo modificada de tal forma que hoje ninguém mais tem certeza do que verdadeiramente aconteceu.
Me desculpe a falta de modéstia, mas, se puderes me dedicar um tempinho, conto exatamente o que ocorreu no paraíso sem tirar nem por. E faço isso não para me engrandecer, mas sim para restabelecer a verdade. Eis que a verdade do paraíso eu sei. E como estamos numa conversa franca e amiga, acho prudente me despir de qualquer preocupação com o discurso da falsa humildade. Seria bom não gastares seu tempo perguntando como fiquei sabendo, pois não revelarei. Sei que sei. Se quiseres acreditar em mim, tudo bem. Se serve assim, conto tudinho, nos mínimos detalhes. Combinado?
Então vamos lá.

14/01/2015

Praiana

Caminhamos pela praia. O sol já está indo embora.
Alguns meninos engalfinham-se na areia. Retorcem seus corpos. Se pegam, se puxam. Tentam imobilizar um ao outro. Alguns assistem à estranha luta. Riem. Apostam. Torcem.

O salva-vidas vai se retirando da guarita. Recolhe suas coisas. Desce por uma escada de madeira. E dá de costas ao mar. Não está nada interessado na dança protagonizada pelos corpos jovens na areia. Os meninos contimuam no infindável agarra-agarra. Ficam para trás. Não sei, afinal, quem ganhou a luta nem se houve vencedor.
A água é morna. O mar está surpreendentemente claro. Milhares de mariscos pequenos mortos formam um tapete sobre o qual caminhamos. Peixes de pequeno tamanho e com o corpo machucado foram trazidos para a beira. Um que outro apresentam tão somente os buracos dos olhos. 

05/01/2015

Velhas Convicções

A. Agostini, Escravos no Tronco,
 Revista Ilustrada, Século XIX
Houve um tempo em que era normal o guerreiro aprisionar o inimigo e submetê-lo aos tormentos que julgasse necessário. Torná-lo escravo era comum. Era aceitável mesmo eliminá-lo com um cirúrgico corte na garganta. Alguns, para mostrar a bravura do seu ato, expunham a cabeça do morto para que todos vissem de perto a macabra conquista.
Houve um tempo em que era normal a tortura como método de averiguação da verdade. Era uma forma aceitável e bastante prática de investigação. Como a carne é fraca e se trai diante da dor, como os músculos se comprimem e se distendem aumentando o sofrimento dos corpos e mesmo dos espíritos, os inventores foram sábios em criar instrumentos de tortura que brincavam com a fraqueza dos seres. Estudaram com engenhosidade as limitações humanas e, ardilosamente, desenvolveram uma maquinaria capaz de dobrar e corromper o mais duro dos homens. E, bingo, a ação sempre atingia o objetivo do torturador. Misteriosamente, o inquirido confessava. E mais, dedurava quem pudesse, arrastando outros tantos para o corredor da verdade.