Peito de Aço era um centroavante
nato. Desses que não existem mais. Um Dadá Maravilha, um Serginho Chulapa. Era
magro. Suas canelas eram finas. Não tinha panturrilhas. Apesar disso, seu corpo
não vergava à ignorância dos zagueiros. Eu mesmo, um centromédio dos tempos
antigos, com muita vontade e alguma inspiração, era muito mais forte do que
ele. Mesmo assim cheguei a experimentar a sua força.
Jogávamos em
times distintos naquela tarde. O campo
era o da Dona Guria, no Bairro Glória. Era um campo pequeno. Os times eram de
três jogadores. Quatro no máximo. Era muito baixo. A grama era fofa e vivia
molhada. As goleiras eram feitas de chinelos havaianas, de latas de azeite ou
de camisetas. Eram goleiras móveis, o que gerava alguma discussão quando a bola
arrastava a trave. Era gol ou não? Foi
por dentro ou por fora? Impossível saber. Não havia tira-teima.
Em certo
momento uma bola respingou perto da nossa zaga. Veloz como uma bala, Peito de
Aço fugia sem marcação. Ninguém conseguia acompanhá-lo na corrida. Todos viam que Iria domina a bola e aí seria
gol na certa. E um gol sofrido era quase uma tragédia. Era um drama. Com algum
desespero, cheguei junto, segurei a respiração e, como recurso extremo, joguei
meu corpo contra o dele. Seria no máximo uma falta. Uma falta para cartão
amarelo nos dias de hoje. No entanto, impávido, o adversário manteve-se
equilibrado. Não saiu um milímetro de sua rota. Eu, ao contrário, como que
atropelado por um boi bravo, caí no chão. Levantei-me em seguida, mais por
orgulho do que qualquer outra coisa. Senti todo o corpo doendo. A respiração
vez por outra falhava. Sentia forte dor na costela. Além disso, havia caído
sobre um dos braços. Mas, as circunstâncias exigiam que me mantivesse de pé.
Com dor, mantive-me. Nem mesmo balbuciei alguma reclamação.
O que tinha de
forte e de rápido, Peito de Aço não tinha em habilidade. Todos sabiam o quanto
de gols desperdiçava. Sua mira era defeituosa. E, para nossa sorte, ele
novamente chutou a bola com muito defeito. A dor do choque, o entanto, me
acompanhou por alguns dias.
Quando a mim
cabia a primazia de escolher o time, o primeiro que apontava o dedo era para o
Peito de Aço. Melhor tê-lo por perto do que marcá-lo. Melhor uma singela
derrota em campo do que curtir alguns dias de dores.
Peito de Aço
era rápido em campo e na vida. Talvez tenha se encantado com alguma promessa de
felicidade instantânea. E assim, cedo se retirou do espetáculo. Nos últimos
tempos, ainda jovem, caminhava tresloucado pela cidade. Sempre sorrindo. Não
adiantava cumprimentá-lo. Ele não conhecia mais seus adversários nem
seus companheiros.
Era um
centroavante nato. Desses que não se encontra mais. Era forte. Porém, sua mira
não era boa. Marcou poucos gols no campo e na vida.
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