Nos combates dos tempos antigos,
quando os guerreiros se postavam frente à frente, a rapidez na resposta
significava a diferença entre a vida e a morte. Reflexos rápidos, sem
hesitação. Esta era a norma vigente. Um embate desses, não obstante o sangue
escorrendo, era uma verdadeira dança. O ritmo era frenético. Reagir na hora,
antecipando o próximo golpe do oponente, constituía-se uma grande vantagem. Um
segundo de incerteza, de imobilidade, de insegurança, uma resposta lenta e não
haveria tempo para o pensamento seguinte. Os olhos, de uma cabeça decepada, bem
que poderiam assistir ao corpo caindo em câmera lenta, antes que o pretume
tomasse conta de tudo.
26/04/2016
19/04/2016
A Impotência
Às vezes, reclamo e resmungo
quando acesso as redes sociais. Aparece cada coisa que enche o indivíduo de
vergonha. Cidadão de bem, que aparentemente cumpre com honestidade todos os
compromissos do dia a dia, zeloso com a família, posta de vez em quando
fotinhos carinhosas com a esposa e com as filhas. Aparentemente defende os
valores mais sublimes e sagrados da existência humana. Mostra que quer um mundo
feliz, que ama de paixão tudo o que o cerca. Subitamente, porém, assume a porção
da desarmonia e aparece fazendo apologia de lideranças políticas francamente
defensoras do trato violento, da intolerância e da tortura.
14/04/2016
A Queda
Faltava fôlego. As costas doíam, a respiração estava difícil. Os olhos avistaram por alguns instantes um negrume que lentamente foi sendo substituído por uma luz distante. Não conseguia mexer os braços e nem as pernas. Tentava chamar por socorro, mas não conseguia. Pela garganta saia um leve gemido. Achei até que estava condenado a morrer ali. Naquela tarde, tinha sido vítima do Valão da Malária, perto do Clube José do Patrocínio. Havia caído de costas em cima de uma pedra pontiaguda.
Era costume da molecada. Na ida para a escola, gastar um tempo passando pelas pontezinhas de concreto do Valão da Malária. Era tranquilo. Eu mesmo era craque nisso. Fazia todos os dias a mesma coisa. Saía de casa pelo menos uns 30 minutos antes de tocar a sirene da entrada na aula. Fazia o percurso em menos de 15 minutos. Então sempre sobrava um tempo para brincar sobre o valão. Na volta a situação era a mesma.
07/04/2016
O Silêncio
Um pouco de silêncio sempre é bom. Os dias estão ruidosos na atualidade. Há muito movimento. Muitos gritos. Muito apelo. Às vezes motivados por questões justas. Mas, a insistência, a luta, a vontade em preponderar, em impor uma tese torna o dia muito cansativo. Não bastasse a correria do dia a dia, na estrada virtual a barulheira é enorme. Meus amigos jogam farpas de um lado para outro. Lançam torpedos sem qualquer cerimônia.
Assim, fica difícil o negócio. Não morro de amores por um nem pelo outro lado. E isso, de algum modo, é tido por muitos dos amigos virtuais como uma agressão. Como assim? Tá do lado dos ladrões, dos corruptos? Tá do lado dos golpistas?
01/04/2016
A Faxina
Dona Ester é uma senhora distinta. Não fala sobre sua idade. Os familiares mais próximos bem sabem que ela já passou faz muito dos 80. Mas não falam isso alto. Ela ainda é muito forte. Vaidosa. Não se entrega. Minto: ela se entrega quando o Bonner e sua mecha branca no cabelo aparecem na tela da tevê. Ela o trata como se seu neto fosse. Não perde nada. Toda a noite, antes da novela, ela vidra os olhos e acompanha quase sem respirar o catatau de notícias que ele desfila durante o Jornal Nacional.
Apesar do seu jeitinho doce, Dona Ester bem sabe que nem tudo o que este moço diz é a mais pura verdade. Dona Ester não é boba. Ela sempre guarda um pouquinho de desconfiança, coisa que aprendeu ao longo das décadas que viveu. Seu pai dizia que mulher não deveria estudar, que tinha que cuidar da casa, dos filhos e do marido. Hoje, Dona Ester bem vê que seu pai estava redondamente enganado. E assim ela vai tirando suas conclusões. Com o tempo foi vendo teses serem derrubadas, outras se confirmando.
Mas, se tem coisa que sempre deixou Dona Ester estimulada era uma boa faxina. Quando era jovem e cheia de energia, vibrava quando o sábado chegava e tinha a oportunidade de comandar a maior operação de limpeza já vista na sua casa. Toda a semana era uma nova operação. Os preguiçosos e dissimulados da família, não muito apegados às lides domésticas, bem que arrumavam atividades que começavam lá pelas oito da manhã e se estendiam até a hora do café da tarde.
Dona Ester caprichava o que podia. Os tapetes iam para a rua. Os móveis dançavam para lá e para cá. Nada ficava no lugar. E jogava baldes de água e produtos de limpeza. Em dado momento, de joelhos no chão e com a escova na mão, começava a fazer movimentos circulares e ritmados enchendo a casa de uma música alegre anunciando que dentro em breve tudo estaria limpo e cheiroso. Ela, coitada, não tinha tempo para ajeitar o cabelo, para manter intacta sua beleza. No final do dia, quando a casa estava recomposta, com os móveis nos seus devidos lugares, restava um arremedo de Ester. Era só cansaço.
Agora, vendo um deputado dizendo na tevê que o Brasil precisa de uma faxina, Dona Ester até se encheu de emoção. Os baldes de água jogados freneticamente, a escova na mão, a força para afastar os móveis. A cabeça bem que girou. Mas, a emoção durou pouco. Lembrou que aqui nesta terra as promessas nunca são cumpridas na sua integralidade. As coisas se perdem. As limpezas são abortadas no meio do trabalho. As faxinas não se completam.
Dona Ester acha mesmo que apenas alguns móveis serão trocados de lugar. Simplesmente serão substituídos por outros que já estavam na casa. E tudo continuará como antes: a casa suja esperando por um poderoso jato de água que mexa com toda a sujeira e não com apenas parte dela.
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