Houve um tempo, quando ainda era uma criança impertinente,
que não acreditava em gnomos, elfos, fadas. O mundo real me parecia tão
fascinante. Crianças brincando entretidas com bolas meio murchas, adultos
dedicando-se a construir suas vidas. Hoje noto que o meio em que vivia não era nada fantástico.
A realidade era um tanto quanto dura, formada por uma fórmula onde os
ingredientes mais comuns eram os salários minguados, o desemprego, encrencas
por pouca coisa, danos causados pelos vícios do jogo e da cachaça e estas
situações tão corriqueiras na vida das pessoas sem muitas posses, sem muito
estudo e, aparentemente, sem futuro brilhante.
Apesar
de tudo isso, acreditava que o legítimo sabor estava naquela luta renhida e insistente.
A luta me fascinava. Então, não restava muito tempo para o mundo mágico. A
magia se resumia aos jogos de bola, às fugas para os açudes e às matas, onde
buscavam-se frutinhas silvestres, ervas e o canto de algum pássaro disponível
naquele pedaço de mundo.
Na
inocência que me cabia, não sabia nada de excessos militares. Só estranhava
aquela obsessão por hino nacional e por símbolos pátrios, impressos em cadernos
de péssima qualidade, com poucas e escuras folhas, além de uma capa molenga e
mal acabada. Estas obras de artes eram distribuídas aos alunos pobres que
enchiam as escolinhas públicas.
Não
imaginei que, em pleno século XXI, nosso país voltasse a vivenciar novamente o
foço que separa a classe alta, sempre diligente em manter sua existência tão
cheia de privilégios, e a escumalha que atrapalha o brilho desta mesma classe
de apaniguados pela sorte, pelo roubo e pela proteção mútua.
É
claro que não conheço os meandros do poder. Só imagino. E, se não tinha tanta
imaginação quando era pequeno, agora tenho. Imagino que os senhores do poder,
denunciados aqui e ali em operações policiais por roubo e lavagem de dinheiro,
conversem entre eles e acertem as medidas que vão tomar no Congresso, onde
muitos desses senhores de fraque e cartola e cara de gente séria, corre para
cima e para baixo, loucos para mudar as leis visando sacanear quem vem de
baixo. Não querem e não permitirão que o pobrerio tenha uma vida digna. Ou, ao
menos, um fim de vida com alguma dignidade. Aposentadoria será quase como uma
loteria. Alguém há de sobreviver. Alguém há de surpreender.
Imagino
um ser, sem qualificação, mas esforçado e trabalhador. Que pega no pesado desde
a adolescência. Que sai da escola para ajudar a família. Que vai trabalhar a
vida toda em serviços puxados, onde a saúde se esvai diariamente diante do peso
que seu corpo carrega, da alimentação precária e de um sono mais habitado por
pesadelos do que por sonhos. E lá vai nosso guerreiro até os 50, 60. E, se em
algum momento, o corpo fraquejar (porque a carne é fraca e o corpo fraqueja) e
não restar grande coisa a fazer. E não houver trabalho. E não havendo trabalho
não haverá contribuição previdenciária. Como ficará?
Por
isso que, nestes tempos, onde bandidos e governantes misturam-se de tal forma
para roubar o futuro das pessoas de bem, ergo meu rezo aos gnomos, aos elfos,
às fadas, aos deuses e deusas (não aprisionados na limitante teia da
religiosidade dogmática e estreita). O mundo do poder humano é nefasto. É
corrupto por natureza. Ali homens vestem suas capas de heróis e saem por aí
criando futuros que não pedimos, mas que são necessários para garantir a eles a
vida próspera dos reis.
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