Palavras-
Palavras ditas nem sempre são palavras sentidas. “-Bom dia! Como vai?”. “-Vou
bem, muito bem!”, responde o indivíduo carregando no peito sua dor, seu
sofrimento ou seu sentimento que, naquele instante, não é conveniente expressar
pela boca. Tivessem mais tempo, mais intimidade, mais liberdade e o papo seria
outro. Na fila do banco ou da padaria, na entrada da escola ou na lotérica, em
meio a senhas, carnês e faturas, cheiros de pães e roscas, demoras e incômodos,
não há como há alongar conversas. Na rapidez exigida, sobra a fórmula pronta. E
assim: “estamos todos bem”.
Pesadelo – A
guerra seguiu-se noite a dentro. Nem enxergava muito bem de onde os inimigos
vinham. A escuridão já era grande. A lua foi vencida pelas nuvens de tal forma
que nem os melhores olhos viam além de um palmo. O medo tomava conta. Uma ponta
de lança pontiaguda poderia chegar a qualquer momento. E chegou. Sentiu uma
fisgada nas costas. Uma só. E bastou. Retorceu-se de dor e caiu. O coração
disparou. A boca secou. O suor frio escorreu pela testa. A grama estava
molhada. O chão frio. Os olhos abriram de súbito. O sol já nascia. Seu brilho
vencia a fina cortina. O rosto ainda carregava um pouco de dor.“Bom dia, amor!
Tudo bem?”. “Ahãm!”. “Tá bem, mesmo?”. “Tô! Sonho estranho!”.
Filtros dos sonhos- Era pequeno. Tinha seis, sete anos. O jeito era de índio. O cabelo era
de índio. Usava bermuda e camiseta. Ajudava a mãe, que ia na frente. De pés
descalços seguia entre os banhistas. Carregava pequenos filtros dos sonhos e
outras pequenas peças. As penas eram verdes, amarelas, vermelhas e azuis. Eram
belas as penas. Os filtros também. 10 reais. Nem um centavo a mais. Comprei o
verde. Não resisti em perguntar que pássaro cedeu sua penugem para aquela obra.
“É pena de galinha. A gente pinta”, disse ingenuamente a mãe, atravessando a
conversa, sem pestanejar. Tive que sorrir. “Então, tá! Índio esperto”, pensei,
enquanto mãe e filho seguiam entre os guarda-sóis vendendo seus filtros.
Filtros de sonhos.
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