GURU - O guru indiano tem barbas
longas e brancas. Olha para a câmera e fala. Discorre sobre a vida. Tem alguma
dose de humor. Não o escrachado. É um humor sutil. Brinca sobre os costumes
tradicionais, sobre os padrões religiosos, sobre a tendência do culto à
personalidade, sobre a posse do objeto. Fala de tudo um pouco.
Algumas
vezes diz coisas que me dizem respeito. Outras nem tanto. Pelo menos por
enquanto. Dia desses falou algo que pensei. Pensei em escrever, mas não
escrevi. Isso é recorrente. Nas minhas caminhadas frequentes, penso, elaboro
teses e mais teses, concebo uma crônica todinha ou em fragmentos, respondo
perguntas que não respondi há algum tempo quando as palavras me faltaram, faço
discursos mais empolados ou mais diretos.
Disse
o guru que os seres, em regra, vivem a realidade com os olhos dos outros. Ou
melhor, a partir das palavras ditas pelas bocas do outros. Não com estas
palavras, mas algo parecido com isso. Segundo ele, o discurso que move o
indivíduo é formado por sentenças que foram colhidas no papo com o avô, no
contato com o pai, na leitura de um texto filosófico, na manchete de um jornal.
VERDADES
- Não acredito em uma verdade absoluta. Tenho por mim que a verdade, tanto
quanto todas as subjetividades que tentamos tornar um objeto pronto e acabado,
são meras representações momentâneas. Assim, o certo é certo agora, mas bem que
pode ser errado ali na frente. E o errado, da mesma forma, pode se transmutar
em certo na próxima curva.
Os
padrões rígidos criam certo sofrimento. O indivíduo vai ouvindo ao longo da
vida uma série de informações, de fragmentos de discursos e adere, sem saber,
ao movimento projetado pelo todo. Vozes gritando de lá para cá e de cá para lá
definindo “isso é certo” e “aquilo é errado” vão criando tensão. E tensão é
mais o que se tem nos dias de hoje. A
realidade vivida vai se constituindo como um processo aleatório. A nave segue.
Vez por outra saímos dela e vamos colhendo fragmentos como quem colhe conchas
na praia deserta.
SONHOS-
Sonhamos em segundos uma vida inteira. Isto porque tudo é relativo. Em um
segundo estamos seguros num local conhecido. No
outro, já viajamos e nos perdemos da turma. E somos obrigados a
silenciar porque nada conhecemos naquele local. A mata é diferente, as pessoas
falam entre si, mas não te olham. E aparece o medo. Como um menino no primeiro
dia de aula na nova escola, o medo aparece. E chove. E a saída daquele lugar
vira um barro só. A cada passo os tênis invariavelmente brancos ganham uma cor
avermelhada. Dá pena da mãe lavando aquela sujeira e medo de uma reprimenda.
Um
índio, velho, magro chega perto e vê a aflição. Sabe que há medo envolvido na
cena. Abraça com o coração. “Te espero à noite. Volta porque tem Pow-How”. E num flash já está de volta na trilha
conhecida. O sol já voltou. O índio se foi. O medo saiu. Se meteu em algum
lugar. Talvez volte uma hora dessas no meio de um discurso sobre a realidade
numa dessas caminhadas que se faz pelas ruas da pequena cidade.
E de fragmentos compõe-se a vida.
ResponderExcluirPor certo, Marcelo. Às vezes, juntar esses fragmentos é o desafio.
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