O mundo
é mental dizem os entendidos. Vão mais longe, dizendo que há uma
mente inteligente por trás de tudo o que existe, do que existiu e do
que existirá. Boa parte da civilização chama esta mente
inteligente de Deus. É uma forma de reduzir a complexidade e tornar
palpável o que não é. Ou, até mesmo de certa desídia e
conformidade.
Porém,
enganamo-nos todos quando cremos que a mente inteligente substitui a
mente da gente. Nossa visão de mundo depende mais de nosso foco e da
nossa lucidez do que da intervenção de terceiros.
Pode
parecer muito complexo isso tudo. Mas, no fundo, reside alguma
simplicidade por aqui. Senão vejamos: imaginemos agora, usando este
atributo fantástico que é nosso cérebro (um mundo infinito de
conexões que geram realidades distintas a cada um), que vamos
subindo uma montanha. Olhando do sopé da montanha avista-se um
horizonte. Ora, este horizonte vai sendo modificado cada vez que a
marcha avança em direção ao topo. Chegando lá em cima, a escalada
revelará um horizonte mais amplo. O panorama será muito diferente
daquele observado do sopé.
Os
taoistas entendem que o mais importante é o caminho. Os budistas
também entendem que a trajetória que se faz do sopé até o cume é
o que importa a cada indivíduo. Dores no corpo, vontade de desistir,
sede, fome, vento gelado ou sol escaldante, não importa. Tudo o mais
fica pequeno quando se atingiu o cume.
A visão
reducionista e religiosa do Ocidente foca todo o sentido da
existência física na dor e no sofrimento. É a herança da cultura
judaico-cristã, onde todos os humanos devem carregar a culpa por
terem nascido a partir de um pecado original. Assim, durante a
trajetória terrena devem carregar em suas costas uma parte do pecado
cometido pelos ancestrais Adão e Eva. Nascem todos em débito com a
mente criadora. E a conta vence todos os dias e vai se tornando
impagável. A vida, assim, é triste. Muito triste. Parece que a
mente criadora vai se alimentando destas multas, juros e correções
que transformaram o principal numa montanha intransponível ao menos
para os que creem ou que se submetem aos ditames de tal ordem.
Hoje,
mesmo que o Papa Francisco pregue com exatidão e demonstre um
esforço argentino para jogar luzes sobre as armadilhas construídas
ao longo de séculos, mesmo que pensadores de inúmeras filosofias
espirituais lancem aos quatro ventos de que o pensamento antigo foi
superado e de que a divindade não está aí somente para cobrar as
contas, ainda assim, parece crescer no seio da religiosidade certo
clamor por menos liberdade, por menos conhecimento e por uma
intervenção da mente criadora para punir todos os outros que não
se adéquem ao sistema antigo.
Dia
desses, logo após a morte do conhecido comunicador Ricardo Boechat,
veio à tona a discussão por redes sociais se o cidadão amoroso,
gentil e humano tinha alguma relevância ou deveria prevalecer sua
tendência ao ateísmo. A turma do exército da fé acendeu a
fogueira: importa para Deus o reconhecimento e a fé. Assim, o amor,
o respeito, a compaixão, a gentileza, o desprendimento e tudo o mais
que demonstram que o indivíduo é do bem foram jogados para a
segunda divisão.
O
indivíduo pode ser sacana, sovina, desumano, corrupto, mas, o que
importa, pelo menos para esta gente, é que ele diga que crê. E Deus
acredita? A mente suprema vem sendo subestimada nos últimos séculos.
Pelo jeito são mais alguns séculos de preguiça pela frente. A
imagem do sopé da montanha ainda agrada a muita gente. É o
horizonte de cada um. Este horizonte só vai modificar a partir do
movimento individual. Componente indispensável para isso é a
vontade.
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