Pião. Imagem: Wikipedia |
Essas
tragédias que vez por outra consomem vidas, comovem a todos e trazem
dor e sofrimento, especialmente aos mais próximos, os familiares, em
regra, apresentam pontos em comum: falta de fiscalização,
relaxamento de entes públicos e privados, legislação frouxa que
permite que empresários e dirigentes continuem jogando com a sorte e
a demora excessiva no estabelecimento de culpados, gerando uma total
garantia de impunidade.
Foi
assim na Barragem de Mariana, será assim na de Brumadinho, talvez
assim seja no Ninho do Urubu, do Flamengo, onde meninos sonhadores
tiveram seus sonhos interrompidos por um desses “acidentes” que
bem poderiam ter sido evitados. Tivesse a tragédia ocorrido no
centro de treinamento do Cacimbinhas ou de um dos clubes do Acre,
ainda assim, seria lamentável. Mais lamentável ainda quando se sabe
que o Flamengo tornou-se uma potência econômica nos últimos anos,
tendo faturado só com a venda de dois jogadores no ano passado
(Lucas Paquetá e Vinícius Jr.) algo em torno 80 milhões de euros
ou 340 milhões de Reais, aproximadamente.
Ora,
sabe-se que o clube ainda recebe polpuda verba por direitos de tevê,
algo em torno de R$ 185 milhões, no ano passado, só entre
Brasileirão e Campeonato Carioca. Restam Libertadores, Copa do
Brasil, patrocinadores, venda de camisetas, contribuição de sócios,
renda de jogos e ações de marketing. Como se vê, não foi falta de
dinheiro.
O
mesmo panorama ocorre com a Vale, reincidente em desastre ambiental
no Brasil. Segundo consta, seu lucro em 2018 foi de R$ 3 bilhões. Ou
seja, não foi também falta de recursos econômicos que travou o
processo de prevenção ao desastre na barragem de Brumadinho.
O
que ocorre é que a necessidade da obtenção de lucros e mais
lucros, da manutenção e ampliação de investimentos e do aumento
da valorização da marca vêm superando o cuidado que se deveria ter
sempre pelo bem-estar humano. Mesmo que se registrem forte
repercussão na mídia, desvalorização momentânea de ações e da
marca, a consternação, a ira, daqui a pouco tudo vai caindo no
esquecimento porque a vida hoje é muito rápida e ninguém tem tempo
para ficar sofrendo e lamentando por muito tempo.
A
exceção é a dor e o sofrimento no peito da mãe do goleiro que já
estava na seleção e acalentava o sonho de jogar nos grandes da
Europa, do pai do menino que trabalhava de pedreiro enfrentando o
calor, a chuva, o cansaço para manter o piá na cidade grande
pensando que um dia seus gols fariam a alegria da galera rubro-negra,
do Brasil e do mundo. Essas dores não morrem. Essas dores ficam,
quando muito, adormecidas, contidas num cantinho do peito e que
teimarão em aparecer em cada aniversário ausente, em cada foto de
arquivo, em cada vídeo postado.
Passam
alguns dias, umas semanas, uns meses ou mesmo alguns anos e outras
tragédias aparecerão por aqui ou por lá. Novos barulhos,
acusações, matérias jornalísticas, processos. “Roda mundo, roda
gigante, roda moinho, roda pião...”.*
* Trecho da música Roda Viva, de Chico Buarque de Holanda. Letra aqui
Em tempo: Enquanto escrevo esta crônica recebo a informação de que
o jornalista e radialista Ricardo Boechat, da Tevê Bandeirantes e Band News FM,
morreu aos 66 anos. Sem papas na língua, analista comprometido com a
informação, Boechat não gostava de ficar em cima do muro. Por
isso, comprou briga com a direita e com a esquerda. Perseguido nas
redes sociais era uma voz que não se calava. A imprensa perde um
pouco de seu brilho. Vai ficando o mais do mesmo. Lamentável!
Pois esta é a cultura do nossos povo. Ontem ainda falei com um empresário que deixou de trabalhar com órgãos públicos porque se não se adere a propina não sai negócio. E nisso se incluem os órgãos de fiscalização.
ResponderExcluirO público e o privado no Brasil sofrem de doenças crônicas. Passam os anos, mudam os governantes, mas a essência continua a mesma, Marcelo Alacarini. Infelizmente o vício é forte e vai sendo retroalimentado, inclusive pelos arautos do novo jeito de fazer as coisas.
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