O pensamento até que tem alguma lógica: surge uma doença,
pesquisadores analisam o caso, laboratórios investem pesado e
desenvolvem um remédio. Uma revista científica publica o trabalho
assinado por um escritor. O médico receita a medicação. O paciente
toma. E a doença vai embora.
Assim deveria ser. Porém, nem sempre é assim que ocorre. Existem
inúmeros alertas de que esta tabelinha entre doença, pesquisa,
desenvolvimento de medicação e cura não se estabelece como
deveria. O mais contundente deles é de Robert Whitaker, jornalista
americano, escritor especializado em medicina e ciências, que
publicou quatro livros sobre o tema e venceu inúmeros prêmios de
jornalismo nos EUA. Segundo ele, a indústria farmacêutica investiu
na relação com a psiquiatria e o que se vê hoje é uma sociedade
altamente medicada e sem uma resposta positiva para os transtornos
que atingem o ser humano.
Destaca Whitaker que aproximadamente 20% da população americana
consome remédios para doenças psiquiátricas. Estas drogas, num
curto espaço de tempo, trazem um bem-estar. Porém, o uso continuado
por dez, vinte e até trinta anos tem causado transtornos sérios e
irremediáveis às pessoas. Além da depressão, outra preocupação
do escritor está relacionado ao Déficit de Atenção.
Allen Frances,
americano, ex-diretor
da revisão do guia de referência mundial para doenças
psiquiátricas, também destaca o uso abusivo de medicamentos e a
forma antiética encontrada por laboratórios para criar transtornos
visando ampliar a venda de remédios. Alerta que o sistema atual
permite que os problemas diários sejam transformados em transtornos
mentais e, posteriormente, sejam tratados com comprimidos. “Parte
do problema é que o sistema de diagnóstico é muito frouxo. Mas o
principal problema é que a indústria farmacêutica vende doenças e
tenta convencer indivíduos de que precisam de remédios. Eles gastam
bilhões de dólares em publicidade enganosa para vender doenças
psiquiátricas e empurrar medicamentos”.
Robert
Whitaker, em entrevista ao El País, destaca que “a história falsa
nos Estados Unidos e em parte do mundo desenvolvido é que a causa da
esquizofrenia e da depressão seria biológica. Foi dito que esses
distúrbios se deviam a desequilíbrios químicos no cérebro: na
esquizofrenia, por excesso de dopamina; na depressão, por falta de
serotonina. E nos disseram que havia medicamentos que resolviam o
problema, assim como a insulina faz pelos diabéticos. Os comprimidos
podem servir para esconder o mal-estar, para esconder a angústia.
Mas não são curativos, não produzem um estado de felicidade”.
Apesar
de sofrer ataques de diversos grupos, o escritor e jornalista vem,
também, assistindo à confirmação de suas pesquisas como os
trabalhos dos psiquiatras Martin Harrow e Lex Wunderink e o fato de a
conhecida revista científica British Journal of Psychiatry assumir
que é preciso repensar o uso de medicamentos. É muito pouco, ainda,
quando se sabe que a indústria farmacêutica movimenta recursos na
ordem de 80 bilhões de dólares anualmente.
Sobre
o quadro perverso de uso indiscriminado de medicação como ritalina,
especialmente para crianças em idade escolar, Whitaker destaca que
“vivemos em uma sociedade altamente medicada. É um problema
global. Por outro lado, temos resultados positivos com experiências
com escolas que dão mais tempo para as crianças brincarem, que
optam por alimentação saudável ou mudam a forma de os professores
ensinarem. Em todos estes casos, os sintomas de TDAH desaparecem.
Temos que escolher entre mudar nossas escolas e nosso modo de vida ou
continuar medicando nossas crianças”.
Como
se vê, neste caso, bem se aplica o ditado popular, resultado do
senso comum, de que é muito pequena a diferença entre o veneno e o
remédio.
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