26/04/2019

A Santa e o General


Sucedi Luiz Henrique Benfica na produção do programa Olho Vivo, da Rádio Osório. Era a maior audiência da emissora. Na realidade, continua até hoje sendo um referencial no radiojornalismo da região. Por ali o litoral norte se comunicava. Osório, Capão da Canoa, Tramandaí, Palmares do Sul transitavam pelas ondas da rádio. Num tempo em que só havia telefone fixo o trabalho era penoso. As entrevistas eram agendadas no dia anterior. O chiado na linha telefônica por vezes inviabilizava o bate papo. Pedro Farias, diretor da rádio, apresentava o programa.
O grande desafio era conseguir entrevistados para o sábado pela manhã. As prefeituras encontravam-se fechadas, as câmaras de vereadores também. Naqueles tempos os sábados eram mais preguiçosos. As autoridades, que normalmente eram ouvidas durante a semana, descansavam naquele dia. O esforço era grande para encaixar alguém que tivesse um bom papo para preencher os espaços que se tornavam cada vez maiores. Às vezes a vítima escolhida demonstrava pouca intimidade com o microfone e a entrevista minguava. Era um desespero pegar o telefone e ligar para deus e o mundo, acordando uns que se negavam a falar ou, ainda, ouvindo pacientemente o telefone chamar sem resposta até final no tradicional puc puc puc .
Certa vez o Pedro saiu de férias. Pegou uns dias para descansar. Fiquei responsável pela produção e apresentação do programa a semana toda. Gastei todo o repertório. Sexta-feira, no final da tarde, bateu o desespero. Era verão e ninguém estava disponível. Fiz uma verdadeira ronda e nada.
Mas, havia sempre uma carta na manga. E a carta era ouvir um historiador para falar sobre o passado da cidade e da região. Uma entrevista leve. Convoquei o dr. Guido Muri, historiador e entusiasta pela vida osoriense, que vez por outra salvava o programa. Era conhecida sua posição contrária à mudança do nome da cidade. Acreditava que Osório deveria retornar ao antigo nome Conceição do Arroio. Criticava o ato arbitrário do governo do Estado que, em 1934, através de um decreto e sem ao menos consultar os cidadãos, abandonou a santa e homenageou o militar. Isso, segundo ele, de algum modo contribuía para que a cidade vivesse na míngua, sem crescimento econômico e progresso.


De conceição do Arroio para o Mundo

A Rádio Guaíba e o Correio do Povo mantinham no período de verão um repórter para acompanhar as notícias da Orla Gaúcha. Waldomiro de Oliveira, de voz suave, agradável e dicção limpa, era o responsável pelos boletins e textos. Pois, na segunda-feira, após a manifestação do dr, Guido Muri, o Correio publicou uma pequena e curiosa nota destacando o “movimento pela mudança de nome da cidade”. Aventou-se a possibilidade de realizar um plebiscito para ouvir a comunidade. Não sei ao certo se foi por causa disso. Porém, pouco tempo depois, Pedro voltou aos microfones e nervosamente enterrou a tese.

Crônica publicada no Caderno Mundo das Ideias, em 25.04.2019, encartado no Jornal Bons Ventos.

17/04/2019

O Complexo de Vira-Latas

Barbosa, goleiro brasileiro
 na Copa de 50

A Síndrome do Cachorro Vira Latas ou Complexo de vira Latas foi diagnosticada pelo dramaturgo brasileiro Nélson Rodrigues. Ela atinge o imaginário da população brasileira que tende a acreditar que tudo o que se produz por aqui, tudo o que se faz neste pedaço de chão não apresenta a mesma qualidade do que é feito lá, nos países mais desenvolvidos. Inconscientemente transita a informação de que há um débito permanente que persegue o povo tupiniquim. Assim, se justificam expressões como “isso é Brasil” dita, invariavelmente, depois de algum deslize cometido por autoridade do governo ou mesmo por algum cidadão imperfeito.
Obras inacabadas, políticas públicas capengas, lideranças despreparadas, carências estruturais, dificuldades a torto e a direito são algumas das coisas mais do que corriqueiras registradas por aqui com alguma insistência, o que de certo modo colaboram para que a população carregue permanentemente este sentimento de inferioridade. Paralelamente, somos acossados por ideias nem sempre precisas de que no restante do mundo as coisas funcionam com maior precisão e, assim, as pessoas são mais felizes. É comum, por exemplo, sair da boa de alguém que jamais cruzou o Rio Mampituba afirmações de que “lá nos EUA não é assim” ou “na Europa essas coisas não acontecem”. Às vezes ocorre coisa pior.

12/04/2019

O Mundo de Esopo



"Ao procurar socorro convocando os deuses é bom também fazermos nossa parte."

O que se espera de um escravo liberto, corcunda, quem sabe de pouca saúde? Muito pouco, diriam alguns. Quase nada, diriam outros.
De origem controversa, africano segundo alguns, egípcio segundo outros tantos ou, ainda, ateniense, Esopo é um destes personagens nada convencionais. Muito antes de Walt Disney construir um império a partir da voz de um camundongo, Esopo, escravo de um filósofo chamado Xanto, de Samos, colocava na boca de animais lições de moral que, depois, tornaram-se peças populares e foram se perpetuando até os dias de hoje.
Citado pelos grandes filósofos como Platão e Aristófanes, Esopo sobrevive através de suas fábulas contadas e recontadas por La Fontaine e por tantos outros em quase dois mil anos de história. A Raposa e as Uvas, O Lobo e o Cordeiro, A Cigarra e a Formiga, a Galinha dos ovos de ouro são algumas dessas fábulas que se perpetuaram ao longo dos tempos e, por isso, muitas vezes nem ao menos são creditadas ao seu autor.

08/04/2019

O patriotismo e os professores de história


Ao contrário do que se imagina, o brasileiro é um indivíduo que sabe valorizar sua pátria. E esse patriotismo sempre esteve relacionado às conquistas. Jamais com governantes. Jamais quando se sente obrigado. Nos anos 80 e 90 o Brasil era só festa e reverência à sua bandeira e ao seu hino. Ayrton Senna, Nélson Piquet, o vôlei, o basquete, a vela traziam alegria e satisfação. Nem o mais tosco deixava de se emocionar quando a bandeira subia se destacando ao lado de potências esportivas. Fórmula 1, natação, Daiane dos Santos e seu salto duplo twist carpado, o Manezinho Guga e suas tacadas certeiras, Brasil nas copas sem tantas firulas, dando gosto de ser ver. Era orgulho puro. Não havia necessidade de major, de general, de governante dizer nada. A alegria contagiante valorizava o país. As pessoas deixavam o coração falar. Sem memorandos internos, sem ordens, sem circulares.