Barbosa, goleiro brasileiro na Copa de 50 |
A Síndrome do Cachorro Vira Latas ou Complexo de vira Latas foi
diagnosticada pelo dramaturgo brasileiro Nélson Rodrigues. Ela
atinge o imaginário da população brasileira que tende a acreditar
que tudo o que se produz por aqui, tudo o que se faz neste pedaço de
chão não apresenta a mesma qualidade do que é feito lá, nos
países mais desenvolvidos. Inconscientemente transita a informação
de que há um débito permanente que persegue o povo tupiniquim.
Assim, se justificam expressões como “isso é Brasil” dita,
invariavelmente, depois de algum deslize cometido por autoridade do
governo ou mesmo por algum cidadão imperfeito.
Obras inacabadas, políticas públicas capengas, lideranças
despreparadas, carências estruturais, dificuldades a torto e a
direito são algumas das coisas mais do que corriqueiras registradas
por aqui com alguma insistência, o que de certo modo colaboram para
que a população carregue permanentemente este sentimento de
inferioridade. Paralelamente, somos acossados por ideias nem sempre
precisas de que no restante do mundo as coisas funcionam com maior
precisão e, assim, as pessoas são mais felizes. É comum, por
exemplo, sair da boa de alguém que jamais cruzou o Rio Mampituba
afirmações de que “lá nos EUA não é assim” ou “na Europa
essas coisas não acontecem”. Às
vezes ocorre coisa pior.
Nélson
Rodrigues vivenciou, no ano 1950, uma das catástrofes futebolísticas
mais significativas da vida nacional. O Maracanã estava cheio. Havia
um clima de justificável otimismo. Mais de impensáveis 100 mil
expectadores carregavam a certeza de a seleção nacional patrolaria
sem dó nem piedade o pequeno e indefeso Uruguai. Apesar do
sentimento de superioridade brasileiro, o que se viu no campo de jogo
foi outra coisa. O minúsculo e, até ali insignificante adversário,
impôs uma derrota acachapante decretando o maior silêncio esportivo
que se viu e que perseverou por décadas.
O goleiro
Barbosa recebeu toda a carga negativa. Foi amaldiçoado como se fosse
o único responsável pela expressiva derrota. Isso que ele era um
multicampeão pelo Vasco e pela própria seleção. Sua filha Tereza,
em rara entrevista, diz que seu pai sofreu o resto da vida os efeitos
da derrota e da incompreensão da torcida brasileira. Morreu pobre e
infeliz. "Prometeram
mundos e fundos para a seleção de 50. Quando perdeu, não ganhou
nada. Meu pai foi crucificado. Não ganhou dinheiro, foi jogado na
fogueira. Veja, em 50 não tinha só o Barbosa dentro de campo, eram
mais dez jogadores", explica a filha adotiva.
Quase
50 anos depois, uma derrota de 7 a 0 para a Alemanha, novamente no
solo pátrio, enterrou a maldição de Barbosa. Como o mundo dá
voltas, a poderosa Alemanha, exemplo de superação em tudo o que
faz, na última copa deu um vexame extraordinário, caindo na
primeira fase. Isso é a Alemanha? Claro que não é bem mais do que
isso.
No
ano passado o Museu Nacional do Rio de Janeiro, patrimônio de nossa
história foi acometido por um incêndio. “O Brasil não cuida de
sua história”, “Isso é Brasil”, “Lula e Dilma são os
responsáveis”, “todos os governantes têm culpa”, “na Europa
isso não acontece” e etc e tal. O fogo consumiu uma parte de nossa
história. O fogo consumiu um dos ícones da cultura europeia, a
Catedral de Notre-Dame, na França, nesta segunda-feira, dia 15. Os
franceses estão de luto. Não se sabe ainda o que causou o incêndio.
Os investigadores estão debruçados sobre o caso. A princípio não
foi um incêndio criminoso. O coração da capital francesa sucumbiu
ao fogo. Resta agora a reconstrução. Milhões de Euros já foram
arrecadados em campanhas capitaneadas pelo governo francês e por
empresários preocupados em recuperar o símbolo da cultura europeia.
Os
acontecimentos demonstram bem que fatalidades acontecem pelo mundo
afora. E, se não somos privilegiados por Deus, como cantavam os
ufanistas dos anos 40 e 50 e mesmo Jorge Benjor (que replicou a ideia
anos depois em País Tropical), também não nos cabe a carapuça
que, muitas vezes, intuitivamente desejamos usar. As mazelas que
vivenciamos aqui são nossas. Mas, com alguma certeza podemos afiram
que não são as piores coisas que ocorrem neste vasto latifúndio.
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Sobre Barbosa
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