Mussum |
No Brasil, nos idos dos anos 90, a mania chegou com força. A partir daí, a conversa livre e solta sofreu um baque. A cautela, tão desprezada na linguagem diária, tomou corpo. Certa censura implícita foi tomando conta de tal forma que falar livremente, usando-se as expressões que se usavam num passado não muito distante ficou inviável. Uma das primeiras vítimas foi o Didi, o humorista Renato Aragão, que chamava o Mussum de Negão. “Preto é o teu passadis”, respondia o simpático afro-descendente. O humor, notadamente construído a partir das diferenças pessoais, sofreu um aperto danado, pois as grandes piadas estão relacionadas justamente com a origem e a forma das pessoas.
No Brasil hoje é feio falar velho, para designar uma pessoa já muito vivida. A expressão foi substituída por idoso – também não muito aceitável – e por “pessoa da terceira idade”. Nasceram, na esteira do aprimoramento do termo, as expressões “da melhor idade”, da “boa idade”. Quem garante, no entanto, que o senhor vivido está na melhor idade?
Algumas outras expressões foram atingidas, notadamente aqueles que se referem à forma do indivíduo. Quem está com o peso um pouco acima, por exemplo, deixou de ser gordo, passando à categoria de “horizontalmente avantajado”. Os baixinhos deixaram de existir, sendo substituídos pelos “verticalmente prejudicados”. Cruzes, isto parece até xingamento!
Até os contos infantis foram maquiados. Na escolinha foi proibido o atirei o pau no gato. Agora, para evitar que nossos filhos recebam valores negativos, a letra da canção tão popular mudou para “Não atire o pau no gato-to/Porque isso-so/Não se faz-faz-faz/O gatinho-nho/É nosso amigo-go/Não devemos maltratar os animais/Miau!”. Percebe-se, no entanto, que a letra continua incentivando a gagueira, de tal forma que nossos meninos talvez não serão violentos no futuro, mas gagos, ou melhor, “pessoas dotadas de eco interior”.
Com toda a criatividade que acomete este nobre povo dos trópicos, surgiu até um dicionário da linguagem politicamente correta. É galhofa pura. Algumas conceituações são hilárias. Ladrão, por exemplo, agora é “sujeito que pega algo emprestado para sempre”. Puxa-saco é “pessoa perseguida pela sorte de trabalhar sempre com pessoas maravilhosas”. Incompetente é “profissional que só erra quando tenta fazer”.
Muito embora a linguagem politicamente correta tenha, de fato, mostrado que é possível abrandar situações duras, ela, por si só, não altera a situação. A mudança dos termos parece muito mais uma maquiagem ou um desvio de linguagem. Preconceito não se combate só da boca para fora. É no interior do indivíduo que ele se esconde.
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