O ex-presidente Lula utiliza com rara maestria a linguagem do futebol para explicar os fenômenos da política e da economia. Confesso que não sou um ardoroso defensor do reducionismo futebolístico. Porém, como se sabe, nada conquista tanta simpatia entre os brasileiros do que o distinto esporte bretão. Dentro de um barraco da favela carioca, nas casas rodeadas de jardins de inverno da serra gaúcha, nos casarões existentes dentre os muros dos condomínios mais pomposos do país, residem os técnicos mais inteligentes do futebol brasileiro. Jamais perderam uma partida, conhecem todos os atalhos para a vitória e identificam a quilômetros a burrice dos luxas, dos falcões, dos renatos e dos tites.
Afinados, destrincham com rara sabedoria e extrema lucidez os princípios básicos da filosofia do pé na bola. Na vitória de suas equipes deixam o discurso de lado e entram em campo. A plenos pulmões vibram a superioridade de uma raça, de um povo, de uma torcida. Ganham as ruas, se adonam dos espaços para extravasar a alegria incontida. Nas derrotas, bem, aí é que emerge o grande filósofo. O que aponta os erros, que não acredita como o desastre não foi evitado. O herói do passado recente vira bandido, a diretoria já não tem mais valor. A camiseta, manto sagrado nas vitórias, entrará em quarentena, sendo vergada somente após a completa cura das feridas.
Por aqui, na província, o caldo parece mais grosso. São só dois os aspirantes ao domínio futebolístico. Colorados e tricolores se alternam no posto principal há mais de 100 anos. Vez por outra um intrometido qualquer, normalmente da Serra, se atravessa no caminho de ambos. Talvez por isso, as dores da derrota pareçam mais intensas. No desfecho do campeonato presente, que termina logo ali, no domingo, os dois protagonistas chegaram ao clássico num clima de broxura completa. Derrotados na Libertadores, no caso colorado surpreendentemente eliminado, esperava-se que os times chegassem à decisão desmotivados, o jogo tinha tudo para ser marcado pela impotência e pela falta de libido. Que nada, nunca se viu um Gre-Nal tão aceso, tão quente, tão insinuante.
Tão elegante, o técnico Falcão, caso raro de súbita unanimidade na imprensa gaúcha, saiu chamuscado do confronto. Os mais apressados foram rápidos e tão logo terminou a contenda já postaram seus comentários desairosos. Um deles, colorado dos mais fanáticos, dizia que Falcão era bom de papo e ruim de prática. Sei lá, mesmo que o processo seja doloroso, há de se dar um pouco mais de tempo para que o homem comece a por em prática as suas ideias, de preferência com seus homens de confiança.
O futebol imita a vida. Ou, como querem alguns, a vida imita o futebol. Ninguém vai vencer a vida toda. Os ciclos naturais se fecham. Voltam a abrir outros logo depois. Os torcedores colorados, que tinham entalada a provocação dos tricolores por mais de duas décadas, puderam afastar os fantasmas e zoar prazerosamente. No entanto, mesmo que venham a vencer de novo, o ciclo parece ter chegado ao fim. Há descontentamento demais com algumas figuras vermelhas. Os sábios do futebol já decretaram que a hora da mudança chegou. Caberá ao seu tão decantado elegante treinador, reforçado pela vitória ou esgualepado pela derrota, juntar as peças de seguir em frente. Não haverá muito tempo para isso, pois o Brasileirão bate à porta. Bem, mas aí já são outras filosofias!
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